Amparo dos Inconfidentes e a passagem de Tiradentes por Nova Friburgo
Diz a lenda que Tiradentes teria passado pelo distrito de Amparo por ocasião da Inconfidência Mineira. Confira o que há de verdade nessa história

A memória oral registra a passagem de Jerônimo de Castro e Souza, que teria participado da Inconfidência Mineira, por Amparo, distrito de Nova Friburgo, e não de Tiradentes, o herói nacional celebrado em 21 de abril.
Alferes, depois tenente, Jerônimo de Castro e Souza, nascido em Vila Rica, estado de Minas Gerais, aos 66 anos morou em Macuco, onde já estava desde 1800, e era parente do alferes Manuel Teixeira de Souza e compadre do Tiradentes, tendo sido suspeito de participação na Inconfidência Mineira.
Por conta disso, foi também recolhido à prisão na Ilha das Cobras, por muitos meses, até ser despronunciado, já que foi inocentado pelo próprio Tiradentes, segundo registros históricos.
Foi nomeado escrivão em 1815, mas preferiu mudar-se para Nova Friburgo, onde era cafeicultor em sua fazenda, a fim de fugir das perseguições que sofria e onde sua neta Higina de Castro e Souza ainda vivia como fazendeira anos depois.
“Por isso, a população de Amparo sempre desejou ser reconhecida como a 'Amparo dos Inconfidentes'”, diz a historiadora Janaína Botelho.
A história
Era 30 de novembro de 1938 e os moradores da localidade reuniram-se no salão da escola estadual de Amparo, sob a presidência do então prefeito Dante Laginestra, para debater e decidir sobre o nome do distrito de Nova Friburgo que havia sido trocado.
Um convidado especial faria a defesa do nome “Amparo”, já que conhecia muito além do que os livros registravam. Era Eugênio Gripp, na ocasião com 78 anos de idade e residente na região desde que nascera, em 1860.
Eugênio Gripp declarou que o nome “Amparo” já era dado à localidade desde a sua infância, e no ouvir dizer, essa denominação vinha desde a Inconfidência Mineira. Segundo ele, o sargento Jerônimo de Castro e Souza era compadre e companheiro de Tiradentes na conspiração. Jerônimo, com receio de ser preso, fugiu para Cantagalo e posteriormente obteve terras, onde hoje é Amparo, construindo uma moradia e uma olaria, na qual ainda havia vestígios. A denominação “amparo” foi dada pelo próprio Jerônimo que se julgava livre, “amparado” das perseguições contra os inconfidentes. Reza a tradição que ele disse à família: “estamos amparados” e crismou o seu novo domicílio de Amparo. Conforme Eugênio Gripp, esses fatos lhe foram narrados por Higgina de Castro Toledo, filha de José de Castro e neta de Jerônimo de Castro e Souza.
“Ainda de acordo com a tradição oral, Jerônimo de Castro e Souza era oficial do exército colonial, exercendo a função de cartógrafo em Minas Gerais, ao tempo da insurreição e abraçara a causa dos inconfidentes e participara da trama revolucionária. Durante a devassa, como era chamado o processo na época, ficou detido na prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Como não havia provas para sua condenação, foi libertado, e desde então, embrenhou-se pelo interior da província fluminense indo parar onde hoje é Amparo, nome dado por ele por ter sido o “amparo” de suas vicissitudes e perseguições", reforça a historiadora em seu blog “História e Memória de Nova Friburgo”.
Mas há controvérsias. Para muitos Jerônimo foi um delator de Tiradentes, beneficiado com sesmarias pela Coroa Portuguesa em razão de sua traição. Mirtarístides de Toledo Piza, membro da Academia Fluminense de Letras, foi levantar toda essa história nos arquivos da Biblioteca Nacional. Após suas pesquisas concluiu que Jerônimo de Castro e Souza foi, na realidade, um falso inconfidente e traidor da pátria brasileira.
Pesquisando os “Autos da Devassa da Inconfidência Mineira”, Piza desconstrói o herói de Amparo. Segundo Piza, Jerônimo de Castro e Souza era alferes do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Capitania do Rio de Janeiro. De acordo com os autos, Jerônimo foi delator de Tiradentes e diante do desembargador nomeado para a devassa depôs contra o herói da inconfidência. O depoimento de Jerônimo de Castro e Souza consta nos “Autos de Devassa da Inconfidência Mineira”, na Biblioteca Nacional.
Como recompensa pela delação que prestou à Coroa Portuguesa, Jerônimo de Castro e Souza foi nomeado 1° tabelião da Vila de Cantagalo, tomando posse em 8 de outubro de 1815. Porém, em razão da delação, fora sempre hostilizado pelos habitantes de Cantagalo, vindo a refugiar-se no recanto por ele mesmo denominado de “amparo”, nas cabeceiras do Ribeirão de São José. Jerônimo conseguiu que os moradores da Vila de Nova Friburgo acreditassem em sua versão de inconfidente perseguido e um de seus filhos foi vereador e outro juiz de paz, o que denota que tinham prestígio na região.
Brasão de Amparo mantém triângulo referência à Inconfidência Mineira | Foto: Internet
O conflito
Amparo, o distrito de Nova Friburgo, foi anexado ao município vizinho de Bom Jardim no início da República. Moradores da localidade não aceitaram e protestaram. Anos mais tarde conseguiram reverter a situação e, em 1911, voltaram a pertencer a Nova Friburgo. Em função das provas contra Jerônimo nos “Autos da Devassa da Inconfidência Mineira”, uma lei estadual de 641, de 15 de dezembro de 1938, modificou a denominação de Amparo para Refúgio.
O fato de Amparo ter sido o “Refúgio” de um traidor e não o “Amparo” de um inconfidente fez com que o distrito fosse obrigado a trocar de nome. O poder público exigia, à época, que dessa forma o distrito deveria ser mencionado nos documentos oficiais: Refúgio.
O nome de Amparo foi restabelecido pela Resolução de n°220, de 6 de abril de 1953, do prefeito municipal José Eugênio Müller, no lugar de Refúgio. Igualmente, a Assembleia Legislativa do Estado, em 22 de julho de 1957, ratificou o nome de Amparo como denominação de quarto distrito de Nova Friburgo.
Em meio a tantas alterações, mudanças, protestos, a localidade representa um importante distrito, com destaques nas áreas cultural, esportiva, econômica, religiosa e turística.
Ainda que a passagem de Tiradentes - nosso herói nacional -, por Nova Friburgo seja lenda, história de “Trancoso” ou conversa “pra boi dormir”, um bairro do distrito homenageia o inconfidente, que também dá nome a uma escola municipal e o triângulo, símbolo dos inconfidentes, faz parte do brasão de armas do distrito de Amparo.
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