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Por essa(s) ninguém esperava!

Por George dos Santos Pacheco
04/12/24 - 08:52

"Aquele que já não consegue sentir espanto nem surpresa está, por assim dizer, morto; os seus olhos estão apagados." (Albert Einstein)

Ontem à tarde caiu um pé d'água danado. Quem poderia imaginar? O dia anterior foi um daqueles com sol forte e clima abafado, ideal para sorvetes e refrigerantes gelados, das garrafas suadas que escorriam a molharem as mãos. A chuva torrencial trazia frio, reempossava guarda-chuvas e agasalhos, café, chá e mingau; coisas que o friburguense costuma ter ao alcance das mãos, a bem da verdade.

Entrei no Bar do Balboa aos atropelos, feito um passarinho molhado. Eu não esperava um toró daqueles, repito ninguém esperava. Os ambulantes, porém, estavam prontos, com suas sombrinhas à venda nas banquetas antes mesmo das nuvens aparecerem no céu; as previsões do tempo na TV deviam ser feitas pelos vendedores de rua.

No ar, um apetitoso cheiro de sardinha frita se misturava ao inesperado aroma de terra molhada; uma canção da Roberta Miranda era completamente ofuscada pelo barulho das pesadas gotas de chuva. Eu ainda tentava secar meu cabelo molhado enquanto ouvia alguns comentários sobre a repentina tempestade quando ele entrou no bar.

— Veloso? – comentou o Sabirico, franzindo o sobrolho, engolindo um tira-gosto mal mastigado, chamando a atenção de todos.

— Em carne, osso e muito cabelo! – respondeu o colega, com um sorriso satisfeito, ajeitando o topete. A cena foi tão inesperada que quase não notamos um segundo cliente que entrava logo atrás dele.

— Mas que… que diabos de cabelo é esse? – exclamou o Doutor, ao deixar cair mais um copo. A surpresa era totalmente compreensível: Veloso, respeitável e probo cidadão, era um colega bom-jardinense, frequentador assíduo do bar desde a época do Balboa, vulgarmente conhecido pelo singelo e carinhoso epíteto "Pouca Telha". De lustrosa e erudita careca, a testa brilhava como se polida com cera Grand Prix. Mas ali estava ele, ostentando uma cabeleira de dar inveja ao Sidney Magal, com franjinha e o escambau.

— Gostaram? É uma prótese moderna, "cabelos 100% humanos, material respirável e couro sintético nas bordas". – explicou orgulhoso, balançando levemente a cabeça como se estivesse arrumando a franja.

— Putzgrila, deve ter sido uma baba, isso aí! – comentou o Doutor, após murmurar um "puta que pariu" por conta do copo quebrado.

— Dois contos, irmão! – confirmou o colega, franzindo os lábios e erguendo as sobrancelhas. De fato, era um valor considerável para um procedimento estético. Mas que procedimento estético não é caro? Aliás, o que não está caro hoje em dia?

— Isso é um assalto! – exclamou o cliente desconhecido, ao se aproximar do Veloso, com um entusiasmo acima do normal.

— Foi o que eu pensei na hora, mas... é questão de auto estima, né? – respondeu ele, num sorriso satisfeito e cheio de paz.

— Não se faz de bobo, não, bacana. Perdeu! Isso é um assalto! – reiterou o homem, impacientemente, e só então percebemos a gravidade do caso. O tal "cliente desconhecido" usava um boné que quase lhe cobria os olhos, calça jeans e um casaco de moletom, em cujo bolso direito a mão escondida apontava o volume de uma arma.

— Opa, Opa! Calma aí… – tentou tranquilizar o Doutor, erguendo os braços, mas o homem estava determinado. Puta merda! Ficamos ali, tetanizados, aguardando as próximas cenas, com apreensão e em silêncio. Um assalto em plena luz do dia em Nova Friburgo? As coisas vão de mal a pior.

— "Calma aí" é o caramba! Bora esvaziar os bolsos! E rápido! – determinava o homem, com a voz falseando de nervosismo e balançando a arma de uma maneira um tanto caricata, como numa comédia pastelão. Foi aí que o Veloso se manifestou, para surpresa de todos.

— Você não é muito experiente com isso, não é? Esse negócio aí nem é uma arma. – disse ele, numa tranquilidade que provocava mais inveja que a peruca.

— Claro… claro que é! – respondeu o homem sem muita firmeza.

— É porra nenhuma… – rebateu o ex-careca e, após um breve (e constrangedor) momento de silêncio, prosseguiu. – Cara, a situação tá ruim para todo mundo, mas você não precisa disso. – concluiu. Sabirico ameaçou levantar para tentar algo, mas eu o segurei no ombro, meneando a cabeça negativamente.

— É… não tem arma mesmo. Deus, o que eu estou fazendo? – confirmou ele num tom choroso e cheio de arrependimento, inclinando-se de leve no balcão.

— Fica tranquilo, aqui só tem amigos… – consolou Veloso, após balançar novamente a cabeça para mexer com a franja. A peruca era boa mesmo, vinha até com cacoete.

— Perdi o emprego faz um mês… minha mulher, ela... ela saiu de casa e levou os garotos junto. Estou devendo o aluguel, vou acabar sendo despejado. O frango está custando os olhos da cara, os ovos, o arroz, o feijão… irmão, o que que eu vou comer? Puta que pariu, que merda! Eu acreditei nele, sangue… ele disse que a gente ia comer carne! Carne? Nem na promoção! – explicava-se, aos atropelos, fungando. E o pior é que, ao menos nisso, ele tinha razão.

— Não entra nesse caminho, não, irmão, que não tem volta. Com o tempo, as coisas se ajustam… – aconselhava o Veloso, com serenidade, colocando a mão em seu ombro.

— É preciso acreditar nisso, não é? – respondeu ele, limpando os olhos com as costas das mãos e tomando o caminho da saída sem olhar para trás, gesticulando excessivamente no trajeto. — Por favor, me desculpem… Me desculpem! – concluiu e saiu debaixo daquela chuva.

— Mas que porra foi essa? – disse Sabirico, quase soletrando a frase inteira. Eu ainda me tremia por completo.

— Que coragem, hein, Zé? Também vou querer uma peruca dessas também! – brincou o Doutor, saindo à custo de sua catatonia.

— Tá de brincadeira, né? Eu me borrei todinho aqui! Doutor, me empresta a chave do… – disse ele estendendo a mão por cima do balcão, quando foi subitamente interrompido por X, que saía do banheiro naquele exato momento.

— Ué gente, que caras são essas? – perguntou o colega, fechando a braguilha. — O que aconteceu? Perdi alguma coisa?


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