A espera

“E quando o sol sair, pode te trazer pra mim.” (Paralamas do Sucesso)

Sentado à mesa de jantar, rememorava o dia tão venturoso. Passara a manhã ocupado na arrumação do apartamento, observando cada detalhe, menor que fosse. Tudo muito limpo, organizado, impecável. Espalhou, meticulosamente, pétalas de rosas sobre a cama, distribuiu velas aromáticas pelo quarto, incenso para perfumar. Comparou playlists românticas, até se dar por satisfeito, regulando o volume num tom agradável: não muito ao mar, nem tanto à praia. Parou ao limiar do quarto, as mãos na cintura, observando o cenário, procurando qualquer falha que pudesse macular uma impressão positiva. Estava perfeito. Seria perfeito!

Ao entardecer, dedicou-se a preparar e experimentar receitas. O vinho, no refrigerador, adquiria a temperatura ideal para servir em virgens taças cristalinas. Tinto e encorpado. Decidira-se, por fim: massa sempre agrada e o vinho acompanha... um fettuccine Alfredo, com molho de creme de leite e parmesão, para regalar o paladar mais fino. O cheiro levanta entusiásticos suspiros... sim, sim. Não havia como errar! Simples e eficaz.

Cenário e jantar preparados, tomou um longo banho, abusando do shampoo, condicionador, creme e perfume. Preparou a barba com extremo zelo, lenta e cuidadosamente , a fim de não se cortar acidentalmente ou manchar o rosto em diminutos poros rubros.

Vestiu um terno cinza grafite de corte italiano, cinturado, de mangas estreitas e justo no peito, mas não grudado no corpo. A camisa de malha garantia uma dose de casualidade e sofisticação ao visual, excelente para a ocasião. Seria uma noite plena, bendita e venturosa!

Tudo pronto e preparado, incrivelmente perfeito, imáculo, impecável. Parou em frente à porta da sala, pigarreou e repassou os detalhes na mente. Sim, estava pronto. Suspirou.

A campainha toca estridente, ele abre a porta com cuidado, sem precipitação. Sorri. Ela está à entrada. Usa um vestido em crepe branco, o decote degagê, as alças finas e a barra assimétrica. “Olá!”, ele diz, desviando o olhar, levemente encabulado, e franqueando a passagem com um aceno de mão. Ela o responde, sorridente, tirando uma mecha de cabelo que lhe caía aos olhos.

Entra, caminha com passos suaves, quase desfila. Ele não sabe o que dizer, achou que saberia. Repassou novamente a situação. Fecha a porta atrás de si e a acompanha. “Você está linda!”, diz ele, balbuciando. Não, melhor repetir. “Linda" não ganha o peso e efeito que queria emprestar à frase. Achou melhor repetir. “Você está encantadora...”, diz ele. Agora sim. Ela sorri, girando nos pés em meia volta, e segurando a barra do vestido, numa performance simpática. Agradece, a face corada, espera uma atitude. Sim, sim. Ele a convida a sentar-se à mesa.

“O cheiro está magnífico!", ela diz enquanto ele puxa a cadeira para ela, cortês. “Que bom que gostou!”, diz ele em contrapartida, fazendo a volta na mesa e também sentando, desabotoando o paletó, e continua: “Eu mesmo preparei...”. Ela sorri, os olhos brilhando, retira novamente uma mecha de cabelos que cai sobre a testa. “Você me acompanha ao vinho?”, pergunta ele, retirando a bebida do suporte à mesa, um branco seco, delicadas nuances de especiarias e florais. “Seria maravilhoso...”, diz ela, encarando-o com os olhos amendoados e brilhantes.

Segura a límpida taça e serve-se. Ergue-a para um brinde, mas não há correspondência. Sorve um gole da bebida, funga, sente uma lágrima correr pela face, a qual susteve com as costas da mão ao apoiar a taça sobre o tampo. Abocanha em silêncio, uma garfada da massa, limpa novamente a lágrima. Estava tudo perfeito, seria tudo muito perfeito, não fosse por um importantíssimo detalhe: a companhia. Solitário, à meia luz, sentado à mesa de jantar, rememorava dia tão venturoso. Estava tudo pronto, mas ele ainda a espera chegar. Talvez ano que vem, quem sabe? Ele funga, os olhos marejados de lágrimas, bebe mais um pouco do vinho. Convencia-se (ou tentava se convencer): “antes só, do que mal acompanhado”, não é o que dizem? “Quando, enfim, acontecer, porém, será lindo, encantador. Será perfeito”.