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A filosofia do erro

Por George dos Santos Pacheco
03/07/24 - 08:46

“Um erro da largura de um fio de cabelo pode causar um desvio de mil quilômetros.” (Provérbio Chinês)

Não é segredo para ninguém que o trânsito de nossas cidades a cada dia se torna um caos imperscrutável. E a culpa, meus senhores... bem, de quem é a culpa?

Certa feita estava eu no centro da cidade com a minha família, atravessando a avenida principal, em que diversos supermercados, lojas e bancos estão instalados – e por isso mesmo é uma via muito movimentada – em que transitam ônibus, caminhões e carros de passeio. Nessa rua – ah, se essa rua, se essa rua fosse minha... – os carros param em vagas de farmácia (mesmo que o destino não seja ela), ou em fila dupla, o que é pior ainda. E nesse fatídico dia, minha esposa precisava ir a uma determinada loja, e eu não tinha lugar algum para estacionar o carro. Decidi parar também na famigerada fila dupla, “rapidinho”, perto da vaga (já ocupada) destinada às drogarias.

– Mas e se vier algum guarda? – perguntou minha esposa, em tom preocupado.

– Qualquer coisa eu digo que você foi à farmácia... – respondi, ainda com o carro em movimento, me aproximando do local de parada. Ela ficou em silêncio, fitando-me com olhar censurador.

Parei o carro, mas arremeti, ao encarar seus olhos. Caramba, não faz muito tempo eu praguejava contra quem para o carro em fila dupla, contra o pedestre que atravessa fora da faixa... o que me faz pensar que eles estão errados, e eu não? Simplesmente porque, naquele momento, aquele erro me convinha. Ou então está escrito no Código Brasileiro de Trânsito “proibido parar em fila dupla, exceto se algum ocupante for rapidinho em uma loja ou farmácia”? Não, não está. Assim, eu estava errado – e sabia que estava – da mesma forma que os outros, independente de minhas justificativas.

E não é apenas no trânsito que isso acontece, não, mas no comércio; na justiça; na segurança; na saúde; na educação, e em várias situações do nosso cotidiano. O erro consciente.

Por que se vende o voto? Porque convém.

Por que alguns políticos levam dinheiro público em malas, cuecas e meias? Porque lhes convém.

Por que não se devolve o troco errado, por que se roubam frangos, por que se estaciona em fila dupla, porque se mente, por que se adultera? Porque convém.

O erro consciente é o que alimenta a injustiça, a desigualdade e a fome em nossa sociedade. Porque se o erro convém a alguma pessoa, com certeza ele prejudica a outra. Se buscássemos fazer as coisas certas, independente de nossas necessidades pessoais ou familiares, o mundo seria completamente diferente. Preocupamo-nos em criticar o outro, mas não enxergamos a trave em nossos próprios olhos; censuramos a roupa suja no varal do vizinho, sem perceber que é nossa própria vidraça que está imunda. E daí, erramos, transgredimos... e nessa terra de gigantes, todo mundo é uma ilha, cada um olhando para seu próprio umbigo. Ignoramos nossos próprios erros ou o dos outros porque nos interessa de alguma forma. Hipócritas!

Exemplo comum dessa hipocrisia que se tornou epidemia na raça humana é o apelo indiscriminado ao consumo de bebida alcoólica – que é uma droga lícita. Lei seca? O governo federal gasta, todos os anos, um volume considerável do dinheiro público com a produção e veiculação de peças publicitárias, incluindo outdoors e painéis, com campanhas para conscientizar quem tem menos de 18 anos sobre os malefícios do álcool. Quanta hipocrisia. O que mais se vê, em qualquer cidade de nossa pátria amada e idolatrada (salve, salve!) são anúncios de festas em que o destaque não é o artista a se apresentar, mas a liberação de bebidas alcoólicas gratuitamente a noite toda, ou até determinado horário, com o fito de atrair público. Isso não é um estímulo? É no mínimo paradoxal, lançar campanhas contra o consumo de álcool e cruzar os braços diante disso.

Será que ninguém vê o caos em que vivemos? Onde está o pessoal da campanha? Cadê o Governo, a Liga da Justiça, os Vingadores? Não estão vendo isso? Oh, é claro que estão vendo. Entretanto, mais uma vez o erro convém. A alguém: sujeito oculto ou indeterminado.

Mas e o trânsito, Pacheco, de quem é a culpa? E o comércio, a justiça, a segurança, a saúde, e a educação, de quem é a culpa? Bem, a culpa, meus senhores... a culpa...


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