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A viagem

Por George dos Santos Pacheco
01/02/23 - 10:21

“Eu acho fascinante que a maioria das pessoas planeje suas férias com mais cuidado do que planeje suas vidas. Talvez porque fugir seja mais fácil que mudar.” (Jim Rohn)

Eu sei muito bem que não fui o único que ficou a esperar, com estalar de dedos, pernas inquietas, eterna ansiedade. Não torça o nariz, intrigado leitor, antes mesmo de reconhecer o mote, admita: consultou quase que diariamente o calendário preso na geladeira, circulou datas com a caneta e inclusive o relógio conferiu, impacientemente. O terráqueo até que gosta de trabalhar (mesmo porque trata-se do meio mais fácil de se ganhar dinheiro. Ou não?), mas de férias, gosta-se muito mais. Num tom cinicamente maltês: estou certo ou estou errado?

Não negue, não busque justificativas, nem mesmo desvie o olhar, pois não há necessidade alguma e fica feio. Todos aqui concordamos em gênero, número e grau, sem um pingo de vergonha disso. Por que haveríamos de ter? E em se tratando de férias, ainda melhores as de verão: roupas leves, bebidas geladas, churrascos, passeios, banhos de mar, de rio, de piscina… piscina? Eu disse piscina? Muito bem lembrado.

Interrompi bruscamente a tessitura da crônica para a conveniente e tão aguardada armação da estrutura de vinil no quintal – com todo mundo em casa, a farra estava garantida. Coloquei um boné e estiquei os braços com as mãos entrelaçadas pra cima até os dedos estalarem, abri uma lata de cerveja e parti animadíssimo para a faina. Entretanto, foi exatamente igual àquele famoso episódio do Pato Donald em que ele decide ir pescar e São Pedro sacaneia com uma baita chuva. Pois é, não deu outra: mal deu tempo de encher o tanque d’água e a borrasca caiu. Não bastasse o toró, choveu pra caramba e não para de chover! Deve haver uma fábrica de nimbostratus e cumulonimbus no alto da Caledônia e somente eu que não sei.

Voltei para concluir o que seria uma crônica sobre as férias de verão, mas tive novamente de interromper. E Dona Maria? E os garotos? A ideia era que nos divertíssemos todos juntos, mas com essas tão acanalhadas gotas de chuva que desabam lá fora, o que fazer? Improvisei um lanche maneiro e pedi que separassem a caixa com o dominó para jogarmos uma rodada antes de assistirmos filme e comer pipoca. Sabiam que o dominó foi inventando pelos chineses e que originalmente se chamava pupai? Domino gratias!

Bem, isso não vem ao caso agora. Fato é que, enquanto preparava as guloseimas, senti-me frustrado e impotente. Suspirei enfastiado, uma, duas, três vezes. Sei lá quantas. A gente passa a semana inteira criando planos mirabolantes para um fim de semana magnífico, passamos o ano inteiro planejando as férias perfeitas, e quando, finalmente, os alcançamos, ou chove, ou carro dá defeito, talvez até um resfriado a gente pegue. É frustrante sim, claro que é frustrante.

Os terráqueos tem uma predisposição inata em esperar um além, algo que ainda deve vir, hipervalorizando o futuro em detrimento do presente. Pensamos no fim de semana, nas férias, na aposentadoria, mas não fazemos ideia como estará o tempo, não há como saber – e daí a frustração quando a realidade não corresponde à expectativa. Deve haver algum estudo científico que explique isso, algum tipo de pesquisa da Universidade de Ohio que o parta, pressupostos teóricos… deve haver. Mas não conheço. De tudo isso, o que de fato importa, cara pálida, é que quando cheguei à sala com o lanche e encontrei a todos, conversando, rindo, fazendo piadas, é que caí em mim. Naquele momento eu percebi, que não precisava de férias, de nada disso. A minha felicidade não estava em qualquer lugar ou ocasião que não fosse naquela sala. Era com eles que eu queria estar, fazendo chuva ou fazendo sol. E ali estávamos. Domino gratias! Ademais, precisamos aprender a viver a vida agora mesmo, seja numa segunda-feira, em janeiro, fevereiro ou março. Para que esperar? A felicidade não é um destino, é uma viagem. Estou certo ou estou errado?


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