Ah, quem me dera!
"Todo o conhecimento genuíno tem origem na experiência direta.” (Mao Tse-Tung)
Acordei em plena madrugada, as mãos entrelaçadas sobre o ventre, o olhar perdido no teto, na penumbra. A verdade é que, talvez, aquilo não possa chamar de estar acordado, estava mais para aquela dimensão cinza do torpor entre o repouso e o despertar, em que as ideias e pensamentos são confusos como os sonhos. As imagens, sons, palavras e compromissos do dia seguinte percorriam minha mente como que em slides, desconectados, com pouco ou nenhum sentido entre eles.
De algum modo, eu refletia sobre a insólita situação em que a mente mergulha nesse limbo sonolento. “O coração dos outros é terra onde ninguém pisa", me veio à memória, uma das frases prediletas do meu pai. É verdade... Como conhecer o que se passa na cabeça dos outros, se até na nossa às vezes é difícil de compreender? Foi nesse momento que comecei a desdobrar a reflexão para outras situações e outros contextos.
O conceito da frase está intimamente ligado à experiência, insone terráqueo. Impossível determinar as ações e juízos de qualquer um, sem conhecer ao menos sua vivência. Quando eu era garoto, a minha visão do que é ser pai emanava da experiência do que é ser filho. Eu era, digamos assim, um “não-lugar". Admirava meu pai pela sua eloquência, seus ditos, conselhos e exemplo, por tudo que ele é, contudo, parcialmente, pois era tão somente pela ótica de um filho.
De fato, não há como saber, exatamente, o que é ser pai, quando não se é. E quando falo em ser pai, ponho à mesa a mais abrangente acepção da palavra: os pais biológicos e não biológicos, todas as nuances e modelos de paternidade. Repetindo, não há como saber ipsis litteris o que é ser pai sem ter essa experiência, assim como não há como saber o que é ser índio, o que é ser negro, o que é ser migrante, o que é ser mulher em nossa sociedade, não sendo. E nem precisa me olhar desse jeito, porque é exatamente isso.
Acontece que hoje, eu tenho a graça de também ser pai, e posso, agora, compreender o meu muito melhor. “Olha a postura", “não caminhe arrastando os pés”, “levanta a cabeça”, “a decisão é sua, mas vou apoiá-lo no que decidir”, são outras de suas máximas e conselhos, o Sr. Jorge, o Pachecão, o Jorge Hulk. Hoje o admiro ainda mais e volta e meia me pego repetindo as mesmíssimas frases para meus filhos. Quiçá um dia eles me verão da mesma forma... Ah, quem me dera!
Enquanto isso, a madrugada vai passando, ouço os precoces passarinhos cantarolando, ainda no escuro. O dia está só começando. Lembranças, imagens, sons, palavras, e compromissos percorrendo minha mente, desconectados, com pouco ou nenhum sentido entre eles. Quero lembrar-me disso tudo quando acordar. Quero jamais esquecer.
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