Bolo de milho verde
Não é nada disso, cara pálida. Eu não sou a Palmirinha, nem isto é uma receita de bolo. O caso é que, certa feita, Dona Maria preparou o quitute para o café da manhã. Um espetáculo. Cheiroso, macio e úmido, na medida certa, parecia um quadro de programa de TV mesmo. Salivou? Moi aussi. Mas fazendo uma altamente restritiva dieta de carboidratos, eu não podia nem cheirar. Suspirei. Tudo bem, já faz um ano que estou nessa mesmo! Mas é cada provação que a gente passa...
Comia a omelete feliz da vida, ignorando o bolo sobre a mesa – evitando olhá-lo, porque ninguém é de ferro – quando um dos garotos concluiu a refeição, deixando um pequeno pedaço da guloseima. Voltei o olhar súbita e imediatamente para o prato, para logo emitir meu quase murmurado protesto. E vejam que nem chegava a ser um desperdício, até porque os garotos são muito bem orientados quanto a isso, mas para mim que desejava apenas um pedacinho de bolo, aquilo era um sacrilégio, uma ofensa, um deboche. Ao ouvir a desnecessária repreensão, o garoto disse um “ah, tá”, carregado de desdém, e comeu o que havia abandonado tão displicentemente que não sei o que foi pior: ver o resto do bolo em seu prato ou perceber sua indiferença por aquilo ao qual eu ansiava.
Quem nunca, salivantes terráqueos? Quem nunca esteve nos dois lados dessa moedinha safada? Quem nunca esnobou o que possuía, ou desejou o que tão desgraçadamente se desdenhava?
E vejam, não se trata de inveja, que fique bem claro isso (muito embora clareza não seja critério para qualquer discernimento) – mas uma espécie de querença, assim entendido como desejo ou necessidade de um bem ou condição, baseado num suposto merecimento, sem que isso possa concorrer para o mal de quem já o possui.
Tudo isso por causa de um bolo de milho verde.
Talvez haja sim, um pouco de loucura nisso, posto que o truísmo consiste em que tudo nos vale pelo que nos significa – e é tão óbvio que chega a doer as vistas. Mas se os loucos são conhecidos por suas ações, assim também o são os sábios.
Por isso é que, todos nós, nem mais nem menos, precisamos aprender a dar mais importância ao que temos, nossa saúde, família, emprego, amigos, bens, “o pão nosso de cada dia". Primeiramente por gratidão, mas também e principalmente, por consideração aos outros. Porque há gente por aí que tem muito pouco ou quase nada e torna-se até desrespeitoso tratar com desprezo nosso quinhão.
Ah, quem nos dera houvesse uma receita de bolo para isso...
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