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Do seu amigo, Peixoto

Por George dos Santos Pacheco
05/07/23 - 09:54

“Ainda lembro o que passou... Eu, você, em qualquer lugar... dizendo: aonde você for, eu vou” (Marisa Monte)

Era uma noite fria e brumosa. O facho dos faróis altos espargia-se por uma grande extensão da estrada, refletindo nos arbustos das margens e nos poucos carros que vez ou outra surgiam em direção contrária. A velocidade aumentava no ritmo de seus corações... no auge de sua paixão, não podiam esperar. Não queriam, de algum modo, esperar.

– Não precisa ir tão rápido... – disse ela, num sorriso lascivo e provocante, o corpo escorregando lateralmente no banco em cada curva. Ah, mulher mais provocante!

– Estou louco por você... – afirmou, modulando a voz e movendo brevemente o olhar para a moça, os cabelos negros caindo displicentemente sobre um decote generoso. O perfume adocicado inundava completamente o interior do carro, assim como a atmosfera de desejo e sensualidade.

– Ah, não fala desse jeito! – comentou em contrapartida, quase num murmúrio, mordendo os lábios antes que ele voltasse sua atenção novamente para a estrada. Ele, então, acelerou com ainda mais vigor, ao som de Morten Harket, bem baixinho, no autorrádio. Reduziu bruscamente as marchas e guinou para a direita, parando em frente ao portão metálico do motel, o neon vermelho piscando o nome em inglês.

– Gostosa... – disse ao inclinar-se para ela, a voz embargada por um beijo molhado. O portão se abriu lentamente, alertando a jovem mulher, as faces coradas pela paixão, os olhos brilhantes e buliçosos. Sentiu o corpo da jovem tremer junto ao seu antes que ela se distanciasse.

– Veja, o portão abriu! Vai, vai... – observou a mulher, com certa impaciência, afastando as mãos indecentes do rapaz, que rapidamente voltava ao volante, engatando a primeira e arrancando para a cabine de atendimento, quase num torpor. Parou o carro outra vez e voltou a beijá-la, um beijo rápido, mas profundamente apaixonado.

– Boa noite... – cumprimentou a atendente, numa voz indiferente e letárgica. A friagem da alta noite entrava rascante pela janela entreaberta.

– Um quarto por favor... – pediu o homem, esticando o braço para o lado de fora, cessando a frase abruptamente, num assombro.

– Carlos Alberto? – disse a atendente, com um repentino brilho no olhar.

– Err... oi. Um quarto... um quarto por favor… – cumprimentou, sem jeito, tornando a insistir no pedido. A moça que o acompanhava empertigou-se no banco do carro.

– Carlos Alberto? Ela te conhece? – perguntou, intrigada, inclinando o corpo para a frente a fim de observar melhor a interlocutora. Era uma mulher jovem, por volta de vinte e cinco anos, cabelos caramelos na altura dos ombros, pele pálida e sardenta, os olhos claros.

– Ô, se conhece! – respondeu a atendente, adiantando-se ao homem, com um sorriso satisfeito no rosto, enrolando uma mecha de cabelo com os dedos indicador e médio.

– Carlos Alberto, você pode me explicar isso? – perguntou a mulher, com indignação, sacudindo o homem pelo braço da camisa.

– Nossa... quanto tempo! – refletiu a atendente, ignorando a conversa incidental e erguendo os olhos, como se memórias antigas voejassem em sua cabeça.

– Quem é essa mulher? – insistiu sua companheira, sem que ele pudesse responder.

– Senti saudades. Porque nunca mais me ligou? – continuava a jovem, simplesmente ignorando a outra mulher, como se nada estivesse acontecendo.

– Querem parar, vocês duas? Depois a gente conversa sobre isso... – disse ele, olhando para a moça do carona, voltando-se rapidamente para a atendente. – E você, por favor, um quarto. Apenas isso, um quarto.

– Depois é o escambau, eu quero saber de tudo é agora! – proclamou a mulher, num rompante de fúria, os olhos injetados de raiva, a face ruborizada e contorcida.

– Nossa, tanto tempo que a gente não se vê e é assim que você me trata? Tudo bem. – comentou tristemente a mocinha da cabine, ajeitando os cabelos e deixando propositalmente uma tatuagem no punho à mostra.

– Ela... a Marcelle é minha ex-namorada... Só isso. – respondeu a contragosto, com laivo de amargor na voz, embora sentisse certa satisfação por ser disputado pelas mulheres. – Três... três é meu número da sorte, sabia? – comentou a mocinha, ao retirar o chaveiro do quadro.

– Só isso? Ex-namorada? Você me trouxe no motel em que trabalha sua ex-namorada? – esbravejou a mulher, dando-lhe ardentes tapas no peito e nos braços, enquanto ele, em vão, se defendia.

– Ex-namorada não, ele está sendo modesto. Nós fomos noivos, por muito pouco não casamos. – explicou a moça. – Tome, tome a chave. – concluiu, tristemente, esticando o chaveiro na direção de Carlos Alberto.

– Já chega! Vamos embora daqui agora! – ordenou a mulher esfregando as mãos trêmulas no rosto e, ato contínuo, arrumou os cabelos para trás.

– Meu bem, esfria a cabeça... vamos entrar e... – disse ele, ternamente, passando o braço por cima de seus ombros, mas ela o retirou bruscamente.

– Ah, eu adorava quando ele me chamava de meu bem. Sorte a sua... Vão logo pro quarto, por favor! – continuou a mocinha, balouçando a mão com as chaves.

– Porra, cala essa sua boca! – esbravejou o homem, sentindo corar, voltando-se rudemente para ela. Os faróis de alguns carros que cruzavam a estrada iluminou-os repentinamente, formando sombras grotescas na parede. E se tivesse casado?

– Eu não vou mais pra lugar nenhum! Fique com essa piriguete aí, seu cachorro! – ultimou a mulher, abrindo a porta e saltando do carro, apressadamente.

– Ah, ele adora ser chamado de cachorro! – suspirou a atendente, apoiando o queixo na mão para observar melhor a cena.

– Celina! Volta! Espera aí, eu te levo... – implorava Carlos Alberto, saindo do carro, chamando num tom desesperado sua namorada.. (ou ex-namorada, nem ele sabia ao certo). – Olha o que você fez! – repreendeu, voltando-se para a jovem. – Porra, é na praça, é na lotérica, na rua da minha casa... e até aqui? Vê se me esquece e larga do meu pé! Você é maluca ou o quê?

– Eu sou maluca, sim, sou maluca por você! – disse Marcelle, caindo aos prantos, enquanto Carlos Alberto entrava no carro e arrancava em direção à Celina. “Fica comigo, seu cachorro! Larga essa gambiarra aí e volta pra mim!”, ele ainda pode ouvir ao passo que acelerava na estrada. E pensar que por muito pouco não casou com essa… essa maluca. “E se…”, considerou, num átimo, franzindo o cenho. Então, freou o carro bruscamente e parou ao acostamento. Sorriu. Encarando os retrovisores, ligou a seta para a esquerda e engatou a primeira marcha. Ah, mulher mais provocante!


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