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É preciso ter feeling

Por George dos Santos Pacheco
21/10/20 - 14:07

Fui tomar um pingadinho na padaria. Gosto de mais café do que leite, cerca de 70%. Para mim é o perfeito equilíbrio: mais café e ele fica forte demais, menos, e ele se torna insosso. Para tudo na vida há a medida e o momento certo, não é, cara pálida? A vida é um copão de café com leite. Sentei-me ao balcão e aguardei, muito pouco (essa galera é rápida no gatilho – e certeira). A bebida veio-me servida num copo americano, daqueles que existem em qualquer bar de esquina deste nosso Brasil Varonil.

É claro que não fiquei ofendido por isso, afinal, o tal copinho foi eleito nos anos 90 o melhor copo pra se tomar cerveja do Brasil. Que orgulho! Mas acontece que ele não tem nada de americano, e é tão brasileiro como nós. O copo americano é um modelo de copo desenvolvido e produzido pela empresa Nadir Figueiredo, em São Paulo, em 1947.

O fato é que tão estrondoso sucesso e popularidade se deve é claro, pelo tamanho e formato ideais para uma bebida rápida, mas pasmem, talvez também pelo nome. Copo Americano. A cultura tupiniquim, desde Cabral, é que somos atrasados e tudo o que for estrangeiro é moderno, de boa qualidade, e civilizado. E isso se reflete, inclusive, do interior pras capitais.

É preciso ter feeling, caríssimos terráqueos. Assim como o Morris Albert. O quê? Não o conhecem? Quem tem mais de quarenta, com certeza se lembra dele. Esse camarada fez o maior sucesso (nacional e internacional) na década de setenta e oitenta com Feelings (feeeeeelings!, ou-ou-ou, feeeeeelings...). A música foi tema de filme, novela, e regravada inúmeras vezes (a última pela banda Offspring). Que orgulho! Morris Albert e sua obra prima, são tão brasileiros como nós, o copo americano, Mike Sullivan, Ritchie (Opa, não! Esse é inglês mesmo!). Curioso não é? Será que pra fazer sucesso, temos que parecer gringos?

Isso se repete há anos e em vários círculos. É de fora (ou parece ser de fora), então é bom. Hoje em dia não vamos ao barbeiro, vamos ao barber shop. Não pedimos entrega em domicílio, e sim, delivery. Não temos mais palestrantes, temos coaching. Se eu for comprar uma camisa meia manga, tenho que pedir uma t-shirt (e ela vem com a estampa do Cristo Redentor com uma frase “Enjoy your life" e similares). Pô, tá de sacanagem, né?

Feeling, meus caros. A gente precisa de feeling.

A minha encrenca não é o estrangeirismo não, nem o consumo de produtos e serviços estrangeiros. Minha implicância é com essa estrangeirice (anote aí, mais um caso de neologismo pachequês), todo este exagero que a gente vive. Tudo na medida certa, cara pálida. Por que causa, motivo, razão ou circunstância permanecemos julgando o gramado estrangeiro melhor que o nosso, o carro, a família, o comportamento e a cultura? E justamente por isso, por que queremos ser iguais a eles? Fala sério! Neste ponto é que gostaria de aludir ao complexo de vira-lata muito bem descrito por Nelson Rodrigues. Será que não mudamos nada de lá pra cá?

Na verdade, todo este introito foi pra dizer que meu café com leite na padaria me lembrou, infelizmente, um outro caso, também assustador, quanto à nossa peculiar autoestima e valorização da “prata da casa". Eis que um dito escritor – faz muito tempo não, tá? – havia acabado de lançar um livro. Seu nome: “Jonathan Mayer” (nome fictício apenas para ilustrar a anedota). O cara era um fenômeno. As livrarias onde havia sido distribuído não estavam dando conta de tantos livros vendidos. E isso tudo chamou a atenção da Editora, e consequentemente do autor. Curioso, foi com os olhos brilhando, até uma das lojas a fim de conferir o próprio sucesso.

– Boa tarde! Eu queria o livro do Jonathan Mayer. – disse ao vendedor, em alto e bom som, no seu melhor português.

O vendedor o cumprimentou e levou até a respectiva estante, onde os livros estavam enfileirados ao lado dos best sellers do New York Times, alinhadíssimos como em uma formatura militar.

– Opa, deve estar havendo algum engano, amigo... – murmurou visivelmente incomodado.

– Não há engano algum, senhor.

– Mas este livro não era para estar aí, na seção de Literatura Estrangeira. Eu sou o autor, sou Jonathan Mayer. E sou brasileiro (lembram? Tal como o copo americano, Morris Albert, Roberto Leal...).

– Nossa! Desculpe-me, senhor! – disse o rapaz, constrangido. O equívoco foi comunicado ao gerente e corrigido nesta livraria e com o tempo, nas demais também.

O livro estava agora na seção correta, Literatura Brasileira! E adivinhem o que aconteceu? Cessaram as vendas, caros terráqueos, para tristeza de Jonathan Mayer.

Ah, meu São Nelson Rodrigues. Feeling. É preciso ter feeling.


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