Era isso que eu queria saber!
“Três coisas não podem ser escondidas por muito tempo: o sol, a lua e a verdade.” (Buda)
O camarada entrou confiante, empostado feito um garnisé. Correu o olhar brevemente pelas gôndolas e escolheu entre as cartelas plásticas com drágeas multicoloridas. Seu plano era infalível! Sem qualquer tipo de jaça ou mácula, indefectível. Sentia-se seguro e autoconfiante, imbuído de uma súbita genialidade. Como não havia pensado nisso antes?
Acontece que algo sempre ocupa o vácuo daquilo que não foi pensado. Quando eu era apenas um meninote, havia um seriado de TV em que um personagem, à sombra de qualquer tarefa, esquivava-se com a maior cara de pau do mundo, usando como justificativa o chavão “é que eu quero evitar a fadiga". Eu mal sabia o significado da palavra, mas entendia muito bem o conceito: era um pretexto sem vergonha para não fazer algo. É claro e evidente, que no contexto do programa, era exatamente isso que garantia graça à anedota, mas na vida real, cara pálida, esse tipo de coisa beira ao descaramento e falta de respeito.
Sinceríssimo, leitor, seja franco comigo. Não seria muito mais honesto e decente dizer a verdade, argumentando a favor dela, se necessário e, sendo a desculpa, consequência de um caso mal resolvido, por tudo em pratos limpos? “O senhor precisa entender que a empresa está passando por um momento difícil”; “Pô, não vai rolar, não estarei em casa"; “O problema não é com você, é comigo"; “Ih, tia, acabei de almoçar”; “Nosso quadro de funcionários está completo"; “Hoje não posso, quando puder, papai compra"; “Já tenho namorado"; “Te ligo depois, o sinal tá fraco"; “Infelizmente, o ônibus atrasou"... Quem nunca?
O que Bush, Putin, Seu Jaiminho e todos nós queremos saber é o porquê de o homo sapiens esconder-se atrás de subterfúgios, comportamento assaz legitimado e banalizado na sociedade. Isso é tão clichê que acatamos resignados, mesmo sabendo pela experiência que trata-se de um embuste. Não há nada de tão absurdo que o hábito não torne aceitável. Não é estranho? Estamos todos querendo evitar a fadiga. Gasta-se muito mais energia incumbir-se com a verdade, dá muito mais trabalho. Dizer a verdade gera a um compromisso e, convenhamos, hoje em dia ninguém está muito a fim de compromisso e trabalho – muito menos da verdade.
E assim, seguimos sedimentando relacionamentos dos mais variados, baseados em mentiras e desculpas. Só que a história do mundo já provou que um dia a casa cai, e aí não tem jeito, terráqueo: mais cedo ou mais tarde teremos que assumir uma postura, por mais inconveniente que isso seja. E quem poderá nos defender?
“Quem quer fazer algo encontra um meio, quem não quer fazer nada arranja desculpas”. Além disso, “meia verdade é uma mentira inteira”, diria minha tia do terceiro parágrafo. E o tal camarada genial, da ideia prosaica e ao mesmo tempo brilhante… bem. Chegou em casa depois do trabalho, com um discreto sorriso nos lábios. Deu um tapinha na cabeça do cachorro e cumprimentou a esposa quando esta lhe abriu a porta.
– Oi, amor! Tudo bem? – disse ele, beijando de leve seus lábios e tirando os sapatos com os pés, pisando nos calcanhares.
– Tudo bem! E você? – respondeu a mulher, franqueando-lhe a passagem.
– A mesma correria de sempre, mas tudo bem. Olha, trouxe o remédio para sua dor de cabeça. – continuou ele, apoiando a maleta na cadeira e esticando a mão aberta com a cartela de comprimidos, após retirar do bolso.
– Mas eu não estou com dor de cabeça… – replicou ela, franzindo o cenho, intrigada.
– Era isso que eu queria saber!
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