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Isso é coisa do Milton!

Por George dos Santos Pacheco
16/10/24 - 08:37

"O pêndulo da mente oscila entre sentido e absurdo, não entre certo e errado." (Carl Jung)

Eis que o Milton, lá na Flórida (seja ele furacão, tornado, ciclone ou algo semelhante), conseguiu mudar o clima inclusive aqui em Friburgo, quiçá até na Bahia. Perceberam como o tempo mudou esses dias? Como todos esqueceram a guerra no Líbano, as intrigas políticas, os tapinhas (e cadeiradas) nas costas, as projeções de votos? Somos tão influenciados pela cultura estrangeira que é bem possível ter um dedo do famigerado Milton nessas coisas.

Como o dito cujo surgiu nessa história? Para descobrir isso, terráqueo, você vai precisar me acompanhar em uma breve retrospectiva. Prometo que será rápido, coisa de dois a três minutos, como convém a uma boa crônica.

Hum-hum. As imagens ainda tão rútilas na memória, não me deixam enganar. Era sexta-feira, eu acabava de sair do trabalho e cruzava o trecho da avenida Alberto Braune, em frente a outrora Rodoviária Leopoldina. O céu estava ligeiramente nublado, ventava discretamente. Tendo o semáforo fechado, parei o carro e peguei o celular, para dar um "confere" nas mensagens, guardando-o em seguida no porta cacarecos. É curioso como nos distraímos com esses aparelhos, pois foi o tempo exato para que o sinal abrisse e o trânsito voltasse a fluir. Então arranquei com o carro e segui rumo à rua Duque de Caxias; a profusão de pessoas que pretendia atravessar a rua era tão grande que foi necessário reduzir a velocidade para passar; o fluxo de automóveis, contudo, obrigou-me a encostar o carro mais próximo ao meio fio.

Acontece, cara pálida, que os pedestres já estavam sobre a faixa, forçando a passagem, e não ficaram muito contentes quando eu buzinei para que se afastassem. Um senhor, de semblante fechado e indignado, fez questão de apontar para a sinalização no chão como se desse uma "carteirada", e foi nesse momento que o tempo fechou. Reduzi ainda mais a velocidade do fusquinha vermelho e indiquei com um gesto a calçada atrás dele. "Na calçada!", cheguei a dizer, hiperventilando, com o vidro abaixado, como se isso fosse de alguma maneira educar o transeunte.

Ora, e o que o Milton tem a ver com esse episódio? Absolutamente nada, essa é a questão. De fato, o artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro prevê que "os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica". Muito justo, muito correto, caro leitor, porém, não é bem assim, e o artigo em discussão deveria ter uma infinidade de parágrafos explicando ao cidadão tupiniquim em quais situações isso realmente se aplica. Poxa vida. Quando uma rua transversal acessa a via principal, parar para um sujeito atravessar influi muito pouco ou quase nada no trânsito, não prejudicando a segurança de ninguém, inclusive; quando a situação é inversa (como é o caso da Duque de Caxias), as coisas ficam bem diferentes: parar o carro no meio do cruzamento inibe o fluxo de veículos e pode ocasionar acidentes. Além disso, vejam: não é o fato de o digníssimo pedestre ter preferência sobre a faixa que ele deve quase se atirar em frente aos carros, uma coisa nada tem a ver com a outra. Difícil de entender? Depende do personagem que o senhor interpreta nessa história.

Cacetas. Confunde-se alhos com bugalhos, amor com paixão, vermelho com azul, lado A com lado B, gato com lebre, Pato Donald com Zé Carioca. Não é bem assim. Não é bem assim com o trânsito, com as promoções de fim de semana nos mercados, com as medidas afirmativas criadas pelo governo, com o horário de verão, aliás... não é bem assim com quase tudo nesse Brasilzão de meu Deus. A pracinha ficou até bonita, mas eu preferia o retorno do Paissandu com a Rua do Arco funcionando. Uma coisa nada tem a ver com a outra, como a mudança no tempo cá nestas plagas nada tem a ver com o Milton na Flórida (onde diversos artistas brasileiros têm casa de veraneio; o IPTU de lá deve ser mais barato).

A bem da verdade, quando se trata de direitos e prerrogativas, nenhuma unidade de homo sapiens questiona os pormenores e minudências; a prioridade é gozar as benesses. É dessa maneira para atravessar uma simples rua, e também com as isenções de tributos que o governo anuncia para impulsionar a economia, com as bolsas para estudantes, para universitários e tantos outros, com o transporte público gratuito; alguém paga essa conta, meu senhor, não se engane. Convinha eu mencionar isso? Não sei. Em todo o caso, eu ponho a culpa no Milton.


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