La garantía soy yo
Nelsinho era um camarada todo apresentado. De baixa estatura, bom de bola e extremamente popular, gostava de chamar a atenção no pátio da escola, falando alto pelos corredores e fazendo piadas com os mais fracos. Estava sempre com a galera, a patota, a corriola, aquele sodalício banal de garotos indiferentes e sátiros. Para ser franco, bem franco mesmo, Nelsinho era bastante chato.
Não seria preciso ser nenhum clarividente para saber como toda essa inconveniência e chatice concluiria. Eis que, numa de suas peripécias, fosforescências, e pirotecnias, Nelsinho mexeu com a namorada de um cara do bairro vizinho, e aí não deu outra: o dito cujo jurou ele de porrada, na saída da aula – notícia que se espalhou rapidamente, para seu desespero.
Felizmente, nas horas de aperto é que se descobrem os bons amigos. Angustiado pelo perigo que via à sua frente, Nelsinho não sabia o que fazer, mas um daqueles seus sinceros e indissolúveis companheiros o encorajou: “vai na fé irmão, tá tranquilo... a gente te garante”. Assim, no fatídico dia, nosso valente e bem relacionado protagonista atravessou os portões da escola feito um garnisé, pequenininho e com o peito estufado. Ora, um incentivo desses dá quase superpoderes para um adolescente!
Seu algoz o aguardava na pracinha em frente à escola, junto dos seus parceiros, que assistiam tudo ao derredor (afinal, a molecada adorava uma confusão generalizada). Nelsinho nem se perturbava por isso, ostentando um sorriso vencedor e sarcástico de quem já sabe o resultado da pelada. Suspirou e seguiu em frente, sorrindo tranquilo, todavia, quando olhou para trás, o sorriso se desvaneceu em instantes frugais... estava sozinho. Sempre esteve, na verdade, só não sabia disso.
Olha... eu nunca tinha visto alguém correr tanto em minha vida. A turba obstinada perseguia o moleque, feito um bando de cães de rua, aos gritos de “pega ele". Sumiram todos, retumbantes, numa curva qualquer, e só pude conhecer o resultado da covardia no dia seguinte. Caminhando nos corredores da escola, o lendário Nelsinho, com a cara toda amarrotada, mas de cabeça erguida, fazendo graça e mexendo com os outros – até porque era malandro demais para dar esse gostinho aos seus fiéis e proditórios asseclas.
Nunca mais o vi, não sei por onde anda, o que foi feito dele. Contudo, toda vez que eu levo umas porradas da vida, lembro do Nelsinho e tento seguir, jocoso e debochado, como se nada houvesse acontecido. Ora, por que? Se eu posso valorizar minha resiliência, por que dar importância ao tombo? Nelsinho não conseguiu evitar a surra, é verdade, mas nem por isso se abalou.
Tudo bem, ele não era lá um jovem arquétipo da moral, reflexivo e crítico terráqueo, mas o fato é que aprendemos até com os maus exemplos, embora isso possa lhe parecer demasiadamente paradoxal. A lei do retorno, verbi gratia. A gente ouve desde criancinhas que não podemos sair por aí e fazer o que der na telha, sacanear os outros, esconder dinheiro na cueca, etc. et. al., mas parece que a maioria de nós esquece dessas coisas ao longo da vida. O boleto sempre chega, cara pálida, cedo ou tarde, esperando você ou não.
Nunca fica por isso mesmo.
Além do mais, somos todos capazes de ser nossa própria garantia. Não se deixem enganar. Apostar nossas fichas num suposto arrimo é, no mínimo, ingenuidade, isso quando o contexto não indicar um transtorno de personalidade dependente. O camarada que sofre disso tem baixa autoestima, excessiva dependência dos outros para tomar decisões, e medo patológico de ser abandonado, inclusive. É o tipo de condição muito bem explorado desde tempos imemoriais, em diversos círculos sociais, por vários entes e instituições.
E entendam bem, indignados leitores, somos seres sociais. Não pensem que estou defendendo aqui o individualismo ou algo do gênero. Todo exagero é nocivo. O que advogo, em verdade, é a autoconfiança. Confiem no seu taco, pois de nada adianta caução ou assistência de qualquer natureza se não acreditarmos em nós mesmos.
E quem garante tudo isso? Nelsinho? A galera? Freud? Bob Marley? Não cara pálida. La garantía soy yo. Eu sei, não sou lá o que se poderia chamar de arquétipo da ética e da moral. Mas quem é, afinal?
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