Licença poética
"Os homens hão de aprender que a política não é a moral e que se ocupa apenas do que é oportuno." (Henry David Thoreau)
Reza a lenda que um determinado político da cidade, um sujeito com ares populistas, extremamente carismático, sobrancelhas grossas e sorriso largo, tanto em campanha como fora dela, gostava de cumprimentar e ser cumprimentado nas ruas, dando tapinhas nas costas de aliados, pegando crianças no colo e beijando senhoras. Nessas ocasiões, aproveitava para debulhar um rosário de palavras doces e agradáveis ao séquito que o acompanhava. De tão popular, até hoje há quem se lembre com facilidade da sua vinheta eleitoral.
Pois diz-se que, após um comício, o dito cujo desceu do palanque, ovacionado, rodeado de seguidores e colaboradores, cabos eleitorais, toda aquela comitiva partidária, e pôs-se a circular entre a multidão. Todos esticavam a mão para um aperto ou lhe ofereciam o colo para um abraço, a face ao ósculo. Fogos de artifício explodiam alegremente acima daquela turba quando, após cumprimentar um certo eleitor, o político disse, antes de se afastar, em meio aquela confusão de vozes e sons: "Mande um abraço para o seu pai!". O correligionário, sorrindo de forma melancólica, respondeu: "Ah, doutor, papai morreu faz mais de ano…". "Morreu para você, porque ele continua vivo aqui no meu coração!", declarou Paulinho (putzgrila, mencionei o nome!).
Ah, entusiasmado e boquiaberto (e)leitor, isso não existe mais. A política contemporânea é outra e por mais extensa que pudesse se tornar a crônica, essa e as futuras gerações jamais saberão, não poderão compreender. Outrora, os candidatos tinham apoiadores nas ruas agitando bandeirinhas com seus números ou distribuindo os conhecidos santinhos. Ah! Estes que vieram depois de nós nunca terão a experiência de levar para casa os panfletos estampados com o rosto dos políticos e brincar de desenhar-lhes bigodes, cabelos punk ou femininos, óculos, chifrinhos, e dentes de vampiro… ah, jamais saberão o que é isso!
De maneira alguma poderão inferir que, ao fim do dia, os papéis que restavam eram jogados nos rios, nas beiras de calçada, jardins de praças, criando uma cena quase carnavalesca. Entre parênteses, eles não podem saber disso, assim como não tem condições de compreender o que é acordar com o alarme da Fábrica Ypu para ir à escola ou saber que está próximo da hora do almoço porque a dinamite explodiu na pedreira de Olaria; porque essas coisas não existem mais.
Naquela época, os problemas eram os mesmos, (embora continuem prometendo resolver), Nova Friburgo, porém, era outra. O horário eleitoral na TV nem era achincalhado porque, depois da novela, a graça era ver os candidatos falando bobagens, ou encontrar algum conhecido da rua que se postulou ao cargo de vereador. Dava até para assistir comendo pipoca de tão divertido.
E os churrascos? Sempre tem alguém fazendo churrasco em dia de eleição – sem tomar aquela carraspana, é claro; em outros tempos era proibido consumir bebidas alcoólicas no dia do pleito eleitoral, mas se alguém o fizesse ia ficar por isso mesmo, porque nenhum eleitor ou candidato podia ser preso ou detido, cinco dias antes e até 48 horas depois do famigerado. Vê, se pode? Pois pode.
Os meninos e meninas de agora não podem sequer imaginar como era naquele tempo e, por isso mesmo, tem licença poética para discutir política. Essa e as demais gerações jamais saberão que os tapinhas nas costas, os apertos de mãos, os beijos, abraços e sorrisos, os discursos eloquentes, as obras repentinas… tudo isso e muito mais fazem parte do espetáculo e estarão na ribalta até que a cortina se feche. Ah, bem esclarecido e crítico (e)leitor... talvez não, é verdade. Quem sabe?
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