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O Eufemismo nosso de cada dia

Por George dos Santos Pacheco
09/10/24 - 09:55

"Não me chame de boêmio inveterado. Me chame de epicurista, é melhor assim. Eu tenho uma imagem, sou advogado: ser chamado de ébrio é o fim." (Combinado Silva Só)

O ser humano está desaprendendo a se comunicar. Em tempos do "politicamente correto", cada vez mais utilizamos sinônimos e expressões similares para… darmos nosso recado. Mas ora, vejam, uma palavra mal empregada muda completamente o sentido da mensagem. O exemplo da Bíblia, traduzida do aramaico para o hebraico, para o grego, para o alemão e por aí afora, provoca confusão até hoje, e muito mais grave, entre fiéis seguidores. Imaginem quanta má interpretação é passada adiante, sem saber o sentido real e primitivo daquela informação!

Somos hoje em dia o que se poderia chamar de "eufemistas" (anotem aí, essa fui eu quem inventou, em mais um caso do neologismo pachequês). A gente atenua tudo o tempo todo e há muito tempo. O eufemismo, como estilo e figura de linguagem, está liberado – quem sou eu para proibi-lo! Seria acusado de eufemismofobia, Deus me livre. Mas quando ele é usado para disfarçar, deturpar a mensagem ou estratégia de persuasão, ah, meus amigos (esse é um caso de eufemismo estilístico; ora, se não nos conhecemos, como podemos ser amigos? Vocês são leitores, mas a palavra amigos cria uma proximidade entre nós e o texto fica mais simpático), aí já se tornou um problema, uma doença, uma síndrome.

Percebam, de uns tempos para cá os mercados se dirigem a seus trabalhadores por "colaboradores". E o cara lá é colaborador? Ele de fato colabora com a empresa, não há dúvida, mas ele não recebe um salário pra isso? Então ele é funcionário e é assim que deveria ser chamado, sem que ninguém se sinta ofendido. A palavra colaborador altera a relação vertical entre patrão/empregado, tornando aparentemente horizontal, quando na verdade não é. O empregado se sente lisonjeado, amigo do patrão. O mesmo raciocínio vale para as "secretárias". Como os postos de trabalho dessa profissão aumentaram nos últimos anos! Todo mundo tem secretária agora. Ou não? Não. Nestes novos tempos, a diarista ou empregada doméstica virou secretária, quando na verdade, não é, ela continua exercendo o mesmo tipo de serviço. Então porque chamá-la assim? O original agora é feio? Preconceituoso?

Vamos lá, o motorista de ônibus deve ser chamado de condutor de coletivo? O lixeiro de recolhedor de descartes, o pedreiro de operário da construção civil? O faxineiro de auxiliar operacional de serviços diversos? Onde vamos parar com tudo isso?

Veja bem, eu sei que a esta altura estão me chamando por um bocado de disfemismos, mas a minha crítica não é lá o eufemismo em si, repito, mas o porquê desse exagero todo. No caso das profissões (há um sem número de eufemismos: profissionais, étnicos, de orientação sexual, etc...), quando foi que determinados termos se tornaram ofensivos, blasfemos, para terem de ser substituídos por outros "atenuados"? Por que nos sentimos ofendidos? Corta essa!

E tem mais: será que talvez os aparelhos ideológicos de estado não estão nos doutrinando a pensar exatamente desse jeito? Até quando vamos nos atrasar dizendo para esperarem um minutinho quando na verdade sabemos serão quase dez! Veja, o eufemismo está presente nas relações humanas muito mais do que qualquer outra figura de linguagem e se tornou uma figura de comportamento. Eufemista é, na verdade, um eufemismo para hipócrita. Extrato de hipocrisia integral extravirgem e mascava, da mais sanguinolenta, perniciosa e letal, é disso que estamos falando. Daí a atendente de telemarketing me chama de "senhor" pra simular uma relação de respeito quando, na verdade, está me chamando de "vítima em potencial de estratégias de marketing e comércio". Chamamos o apresentador de programa dominical de "comunicador' (e ele comunica o quê? Ele é apresentador mesmo, comunicador é o jornalista).

Agora, caros leitores, está tudo tão pervertido, tão deturpado, que ficamos "cheios de dedos" para falar com nossos semelhantes (amigos, próximos, conhecidos, colegas), até o pescoço de melindres. 'Será que vou ofender?". "Se eu falar assim, será que vou ser entendido errado?". Ora, cacetas. O que tem que ser dito, tem que ser dito, pronto e acabou. Alguém ai fica incomodado por ser chamado de terráqueo, terráqueos? Façam-me o favor. As palavras são o que são, sinônimos atenuados só servem pra confundir, quando utilizados com segundas intenções. Segundas, não boas. Até porque, de boas intenções...


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