O grande espetáculo

“Hoje é um novo dia, de um novo tempo que começou.” (Marcos Valle)

Ladies and gentlemen; monsieurs et madames; senhoras e senhores! Eis que o grande espetáculo se anuncia, se descortina diante de nossos olhos, em todo o seu esplendor. Nada mais natural que, em ocasiões como esta, sejamos revestidos por uma aura emotiva e reflexiva, que nos cobre feito um hábito talar.

Apesar de carregado desse francesismo vocabular, o Réveillon é comemorado muito antes da queda da Bastilha. A prática ocidental surgiu num decreto do imperador romano Júlio César, que fixou o 1º de janeiro como o “dia do ano novo”, pasmem, em 46 a.C.. E como o dia era dedicado ao deus Jano (que tinha uma face voltada para frente e a outra para trás), deu origem ao nome “Janeiro”.

A festa então foi se moldando, ao longo dos séculos, ressalvadas às devidas proporções, peculiaridades e formatos, é claro, em uma oportunidade de refletir sobre o passado e, mormente, sobre o futuro. Churrasco, cerveja, sambinha, sidra na virada – e muitas, muitas fotos para a posteridade.

Aproveitemos, então, o parágrafo, para fazer mais uma selfie. Dá uma chegadinha pra lá para a crônica aparecer também. Faz mais uma para confirmar. Beleza! Prossigamos.

Vá lá, vocês podem até não acatarem minha conclusão, mas aceitem, ao menos, a premissa, caríssimos terráqueos. O tempo é invenção humana, uma grandeza física relativa, não só em um contexto cronológico, mas também em um contexto interno ao próprio paradigma científico válido. Todo esse papo de dias, semanas, meses e anos é uma forma de organizar a sociedade, é claro, mas os dias seguir-se-ão eternamente (ou até o sol explodir numa anã branca, salvo melhor juízo).

Entonces, o novo se faz todo dia. O grande espetáculo é hoje, é agora. O espírito sentinela que mira o passado e o futuro feito Jano, precisa imbuir nossas mentes não apenas nessa janela mágica que se abre entre o 31 de dezembro e 1° de janeiro, mas todo dia. Pensar dessa maneira faz-nos ter mais zelo com o que somos. Por isso, ladies and gentlemen, cuidem para que suas ações sejam compatíveis com suas palavras, e suas palavras, um reflexo de seus pensamentos.

Se a gente passar a agir assim, todos os dias, não precisaremos mais pular sete ondinhas, guardar caroço de romã na carteira, se cobrir de roupas brancas, nem mesmo ir para um cantinho da laje com os olhos marejados, envergonhado por não ter cumprido nenhuma promessa que fez no ano passado.

O Réveillon é todo dia, e a oportunidade de se renovar amanhece conosco, em bocejos preguiçosos. A vida, pois, é este grande espetáculo dial que se descortina diante de nossos olhos, no abraço de nossos filhos, no beijo da esposa, na amizade sincera – com direito a pipocar de fogos de artifício, sidra e o escambau. É esta sucessão de eventos, bons ou ruins, que se registram feito polaroides, extremamente necessários para o que somos e haveremos de ser. Por isso, eu sempre pensei nela como um grande álbum de fotos.

Um dia, a gente vai ser apenas isso, emocionados leitores. Não se enganem. Um bloco encadernado de selfies, instantâneos, “três por quatros”, panorâmicas, do grande espetáculo de nossas vidas. Apenas isso. E como gostaremos de ser lembrados?