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O piloto automático

Por George dos Santos Pacheco
09/09/20 - 10:02

Ontem saí do trabalho exausto. Estava uma correria danada: além das atribuições a que sou responsável, outras surgiram ao longo do dia e eu tive que dar conta. Mas, enfim... entre mortos e feridos, salvaram-se todos, com a devida permissão para o chavão. Entrei no carro, liguei-o e deixei o óleo circular por um tempo. Até minha casa, foram cerca de quinze minutos.

Lá chegando, após o cumprimento habitual, cordial e educado de quem chega, minha esposa perguntou se eu havia reparado se o mercado ainda estava aberto. Não, não tinha reparado. Aliás, eu não me lembrava sequer de ter passado em frente ao mercado. Opa, peraí. *

Caríssimos e estupefatos terráqueos, eu só me lembrava de ter entrado no carro, ter dado a partida e deixado o óleo circular por um minuto, depois abrir o portão de casa, pôr o carro dentro – de ré, pra ficar mais fácil na hora de sair – trancar o portão e cumprimentar a todos.

Não lembro de ter trocado marchas, de ter parado em sinais, de ter sinalizado com setas as conversões (vá lá este último quase ninguém faz mesmo), quanto mais ter visto se o mercado estava aberto. Deus do céu! Como foi que eu cheguei em casa?

Bem, eu estava em casa. Pelo menos era o que parecia. Enquanto tomava banho, mirei aquele ponto metafísico das reflexões e fiquei pensando: quantas vezes não me lembrei se fritei o alho do arroz, se já havia colocado sal no feijão, o fermento no bolo? Quantas vezes não me lembrei se havia pagado aquela conta, se me despedi de todos depois daquela visita? Quantas vezes não me lembrei se havia lavado as orelhas (opa, essa aqui ainda dá tempo!)?

Será uma espécie de Alzheimer? Deus me livre e guarde. Não, não. Esse é o famigerado e incomparável piloto automático. O termo tem origem na tecnologia criada para conduzir aviões e navios automaticamente durante um curso predeterminado e que acabou sendo emprestado à psicologia. Estamos em piloto automático quando nossa mente vagueia por pensamentos, memórias, ou antecipação de cenários futuros, sem que nos demos conta disso; um estado da mente no qual agimos sem uma intenção consciente ou sem a consciência da percepção sensorial do momento presente. E isso é perfeitamente natural, considerado até uma vantagem evolucionária. Mas convenhamos, estamos abusando do uso dessa prerrogativa. Tudo aquilo que nos habituamos a fazer, passamos a fazê-lo no mais descarado automatismo e fica por isso mesmo.

Não faça bico não, cara pálida, porque todos sabemos que isso é verdade. Ligamos nosso trabalho, nossas amizades e até o casamento no piloto automático. Que vergonha, não é?

Lembra-se de ter beijado seu (sua) esposo (a) hoje? De ter dito “eu te amo"? É bem possível que tenha feito. Mas se lembra? Se não, é porque o hábito lhe corrompeu, como bem explicado por Otto Lara Rezende em “Vista Cansada". O beijo se tornou um chavão, um clichê, um lugar-comum.

E eu chego aqui sem ter certeza se fiz a introdução que desejava no incipit da crônica, ou se coloquei de propósito um asterisco lá só pra ver se você lembrava de tê-lo visto a esta altura.

Se não fiz, não fará falta, entretanto. Mas vale a pena considerar se o que estamos fazendo (ou deixando de fazer) em piloto automático faz falta. Refletir, não com o smartphone na mão, mas fitando aquele ponto metafísico, como chegamos até aqui e passar a dar uma importância maior para tudo. Porque, sejamos sinceros, isso se torna um círculo vicioso vergonhoso em que tratamo-nos uns aos outros com uma incrível indiferença e ainda consideramos isso normal! Por favor, não confundam normal com vulgar. Olhem seus filhos quando eles estiverem falando com vocês. Digam “eu te amo" olhando nos olhos. Tudo o que tiverem de fazer, façam de coração, empenhem-se, como se fosse a primeira vez que o fizessem e tornem este momento especial toda vez que o repetirem.

Que seja especial o seu retorno para casa, o seu arroz, o seu feijão. Que sejam especiais as contas que você paga, as visitas que recebe e que faz. Seu casamento, sua família, seus filhos. E até aquela crônica que vocês leem quinzenalmente às quartas feiras!


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