Pelo menos chá
“Frequentemente é necessário mais coragem para ousar fazer certo do que temer fazer errado.” (Abraham Lincoln)
Eu fui o primeiro a chegar. Para não ser injusto, antes de mim havia um rapaz colocando uma bandeja com garrafa de café, jarra de água, açúcar e adoçante, colherinha para mexer a bebida dentro de um vasilhame de água. Não vi biscoitos. “Aceita café, seu Pacheco?”, perguntou o jovem, com ar simpático, vestido numa bata branca engomada. “Café não, amigo. Estou com gastrite. Tem chá?” Não havia. Não havia chá, não havia nenhum outro partícipe… ninguém. Nada.
Estava ali há uns vinte minutos. Sentei-me a uma mesa de madeira que ocupava o centro da sala, as cadeiras displicentemente fora da posição, da mesma maneira como foram deixadas desde a última reunião. Expirei o ar pelas narinas, com ostensiva impaciência. Pouco a pouco, os demais convidados foram chegando, preguiçosamente, cumprimentavam com acenos de cabeça, paravam à parte, ocupavam-se com seus celulares. “Aceitam café?”
“Não estava marcado para as dez horas?”, perguntou um senhor de barba branquíssima, ao sentar-se próximo a mim (deve ter chegado quando a barba ainda era preta). “Se eu não me engano, sim”, respondi com um travo de fastio na voz. Começou mais de meia hora depois. O mal já estava feito, entretanto. Criei logo uma impedância com o que havia de ser tratado, fosse o que fosse. E o que viria a ser? Acredito que nem o anfitrião sabia. Antes de iniciar, começou a agradecer os presentes, as instituições representadas “na pessoa de”, “na figura de”, etc. etc.. Uma encheção de linguiça daquelas. Reunião que é bom, nada. Após isso, outros tomaram a palavra, sem economizar louvores e glórias ao digníssimo preletor, com o qual revezavam a fala, sem dizer nada com nada. E eu saí dali sem saber porque havia comparecido. Por que, meu Deus? Por quê?
Ora, pontualíssimo leitor. Toda e qualquer reunião, palestra, cerimônia, assembleia, o que quer que seja, tem que começar na hora em que foi marcada. Não tem justificativa para o contrário. Ausência de convidados ilustres, falta de quórum… nada justifica. Ponto. Além disso, como é que se reúnem pessoas sem saber exatamente do que se vai falar, sem pauta a ser seguida, ô, rapá? Ficar divagando por assuntos aleatórios, sobre futebol e novela, o sexo dos anjos... O tempo, a atenção, a disposição das pessoas, meu senhor, são coisas muito preciosas para a gente jogar assim no ralo. É preciso ser imparcial, objetivo e eficaz com as informações a serem prestadas, os procedimentos a serem alinhados. Simples assim.
Enquanto caminhava na calçada, desviando de alguns poucos que me embargavam o caminho, tive um insight, uma epifania, um estalo. Como eu não havia pensado nisso antes? E se toda essa forma de conduzir as reuniões não for algo premeditado, intencional, conscientemente deliberado? E se o atraso tiver justamente a intenção de criar resistência e indiferença nos convidados, prejudicando-lhes o juízo de valor quanto ao assunto a ser tratado? E se digressionar for um subterfúgio descarado para não se chegar a lugar algum e descambar para objetivos velados e sutis?
“Acaso seja assim, então chegar na hora é errado”, pensei, corando de raiva. Esperar organização, unidade de ações, uniformidade e solução de problemas é errado, igualmente. Assim como levantar o dedo e sugerir algo sério e proveitoso é errado. Então, eu é que estou errado, não eles. Suspirei, franzindo os lábios e meneando a cabeça negativamente. Da próxima vez, se houver pelo menos chá e uns biscoitinhos, já me dou por satisfeito.
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