Politicamente correto
“O erro acontece de vários modos, enquanto ser correto é possível apenas de um modo.” (Aristóteles)
Nada funciona. Trânsito, bom senso, repartições públicas, cérebros, escolas, clínicas… vai tentar marcar um exame pra ver? Uma confusão generalizada legitimada pelo calendário. O Carnaval é uma fenda no espaço e no tempo, uma dimensão metafísica em que “nada é verdade, tudo é permitido”, seja ele em janeiro, fevereiro ou maio. Consumado um longo inverno durante o qual as pessoas fingem ser quem não são, homens e mulheres tomam as ruas com as vergonhas à mostra, bebidas na mão e samba no pé. Aliás, este ano, maior subversão e indecência é ter, além das bundas de fora, os rostos descobertos – e entoar as composições momescas. O tempora, o mores!
E mesmo com o adiamento, quem não pulou Carnaval? O tupiniquim dá jeito em tudo, terráqueo, e com o Carnaval não seria diferente. Além disso, já estamos carecas de saber que o segredo da festa sempre foi esconder-se atrás de um personagem em que se permita perder a individualidade cotidiana. Entretanto, vê bem. Após um retiro forçado, somos feito cachorro cativo que se desprende das amarras. Ô felicidade! Se mal se usa roupas, o que dirá máscaras! E os beatos olhando à distância, de soslaio: “Quanta sem-vergonhice...”. A pele à mostra e a face desvelada, vamos beber e cantar porque só dura até quarta. Opa, cantar não. Ficar pelado, tudo bem, mas cantar marchinha de Carnaval? Há controvérsias.
Deferente leitor, Lamartine Babo e seus asseclas teriam sido cancelados hoje em dia. No Carnaval de nossos tempos, as marchinhas, carregadas de duplo sentido e humor duvidoso e polêmico, não têm mais vez. O estilo, que descende diretamente das marchas portuguesas, e teve o auge do sucesso nas décadas de 30, 40 e 50 do séc. XX, traduzem versões estereotipadas e preconceituosas que não cabem mais no comportamento social contemporâneo. Não são politicamente corretas. E ai de você se cantarolar, por aí. Seu subversivo. Todo este introito carnavalesco e resmungão serve apenas de mote para introduzir um Paradoxo Tostines. Politicamente correto ou corretamente político? Por mais que nos julguemos esclarecidos com nossas vivências, status, mestrados ou doutorados, somos levados a adotar posturas e visões de mundo de acordo com os círculos experimentados e argumentos aplicados. Somos, em menor ou maior grau, massa de manobra, meu caro. E isso é política pura – escolha a acepção que lhe convier.
Reacionário, eu? Não, nem pensar. Nunca fui. Mas essa cultura de respeito a ideias morais igualitárias, embora muito convenientes e de fulcro nobre, perpassa também por uma cultura de controle social utilizada há tempos. Panis et circenses. Distração. Nessa folia de interesses, somos induzidos, convencidos e sugestionados a ingressar em bloquinhos, com o refrões de cor e salteado, para no dia seguinte, nem recordar onde começou a farra.
Ora, fantasiadíssimo terráqueo. Politicamente correto é respeitar quem quer que seja. Politicamente correto é a primeira intenção. Politicamente correto é dar bom dia a um desconhecido. Politicamente correto é agradecer ao coleguinha. Politicamente correto é dar atenção a alguém. Politicamente correto é dar um prato de comida a quem tem fome (e sem postar nas redes sociais). Politicamente correto é devolver o troco errado. Politicamente correto é fazer a coisa certa, independente de recompensa ou privação. Politicamente correto, enfim, é ser honesto. Pronto. O que vier além disso é invencionice e manipulação.
Por isso, cara pálida, pense por si mesmo. Vê bem quando, aproveitando a confusão, surgirem estes entes fantasiados, cheios de mesuras e molejo, defendendo os versos e rimas do seu cordão. Só há quem manipule, porque há quem se permita manipular. Vê bem. O Carnaval tem seu fim na quarta-feira, queiramos ou não. A manipulação, porém, temos poder para decidir.
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