Por essa ninguém esperava
“Pai, a professora fez uma média da altura de 15 alunos, que deu 1,42. Se mais um aluno for adicionado ao grupo, qual a altura desse aluno para que se mantenha a média?”, disse o mais velho, no momento em que eu entrava para beber uma água, após alguns serviços no quintal. O suor escorria pela testa. Olhei em volta, minha esposa estava no andar de cima. Olhei de volta pro quintal... Faço o que agora? Simulo um desmaio? Achei melhor não. Franzi os lábios, suspirei, e fui atendê-lo.
E essa aí até que não está tão difícil não. Já atendi frações equivalentes, trabalho sobre a vida das abelhas, maquete, Aristóteles, exercícios de educação física, produção textual e o raio que o parta. Daí que se eu já tinha minhas tarefas domésticas, agora também preciso atacar de monitor escolar. E tudo assim, num estalar de dedos. Fiat Lux, cara pálida. “Pachecão, corre lá que os garotos estão precisando de atenção nas tarefas escolares!”
Naquele momento, eu até podia ir dar-lhe atenção, embora não estivesse preparado para aquilo. Mas imagine só, durante a confecção do almoço, horário pra cumprir, a mão toda lambuzada da carne que estamos cortando. “Ô, manhê!”. “Ô, paiê!”. “Quieeeeeeeeeeé?!”, grita um, após um muxoxo incomodado. É... não estamos preparados.
“Não estamos preparados”, este é o cerne da questão, o truísmo inconfessável, a verdade jogada na cara que não temos sequer a coragem de admitir. Esperávamos mais da escola, a escola esperava mais de nós, mas nem eu, nem você, terráqueo, nem as instituições escolares estávamos preparadas para essa nova condição. Nem mesmo as crianças. E digo mais: essa situação não se restringe ao ensino formal, mas a tudo. Ninguém está preparado pra nada, nada mesmo.
(Vá lá, talvez um e outro esteja preparado sim, para uma coisa ou outra, é bem verdade. Mas a maioria de nós passa a vida distraído como se estivesse com rede nas mãos, caçando borboleta por aí.)
Por essa ninguém esperava. Por uma pandemia de vírus que a gente só via nos filmes, por ter que auxiliar (ainda mais) as crianças nas tarefas de casa (em tempos em que tudo é “à distância”), por um “eventual blecaute” numa tarde de primavera, ninguém esperava. E justamente por não esperar é que não estamos preparados. Para a chuva, o desemprego, uma separação, um defeito no carro, o ônibus atrasado, para a morte. Nem adianta retrucar: se a gente enfrenta uma série de dificuldades com as condições impostas pela pandemia, é porque não nos preparamos e foi preciso acontecer tudo isso para termos de mudar, à revelia, nossos conceitos e costumes.
Fato é que não precisamos esperar que qualquer coisa aconteça para nós prepararmos – e isso rende assunto para horas e horas de conversa, crônicas, poesias – de repente até um romance. Afinal, não dá pra ficar gaguejando quando seu filho te chamar pra uma questão, seja escolar ou pessoal. Não dá para simular um desmaio. “Ih, melhor perguntar isso pra sua mãe...” Não podemos culpar a pandemia (ou a sociedade) por tudo... É isto. E por fim, se encurto a crônica, não levem a mal, caríssimos leitores. É porque... porque... ainda tenho que ajudar numa tarefa escolar!
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