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Síndrome de Jânio

⁣⁣⁣

Por George dos Santos Pacheco
16/12/20 - 09:05

A garotada mais jovem, andando para cá, para lá e acolá, com seus smartphones na mão, não faz ideia de como era difícil ter um aparelho telefônico. Eu lembro que ostentar um telefone fixo em casa era uma fortuna – isso sem mencionar a conta mensal, é claro. Nessa mesma época, os adolescentes caminhavam nas ruas com um rádio sobre os ombros, o tal do minisystem (que de mini não tinha nada). Era uma onda. Daí veio a tecnologia e juntou tudo num aparelho só: rádio, internet, vídeo game, telefone... Eles não sabiam, mas estavam chocando um ovo de cobra no sovaco. Criaram um monstro.

Os números já foram discados, teclados, digitados e, hoje, são até falados. Haverá um dia, meus caros, que serão pensados. Anotem isso aí, por favor. Tudo mudou, terráqueos. Peraí, peraí. “Ou, ou, ou, ou... Nada mudou!”, disse o profeta Léo Jaime. Nem eu, nem ele: muita coisa mudou, mas nem tudo. Desde a aurora de nossos tempos que as empresas querem ter mais lucro e os usuários querem pagar menos pelos produtos e serviços – e fazem de tudo (tudo mesmo) para alcançar seus objetivos.

E se no amor, na guerra, na politica e no comércio vale tudo, eis que um amigo insatisfeito com a mensalidade da tal conta de telefone – não os onipresentes telemóveis – decidiu fazer o que era voga na época: ligar para a Central de Atendimento ao Consumidor da empresa, e solicitar o cancelamento da linha. A bizarra estratégia baseava-se na premissa de que a empresa, não querendo perder um cliente, faria de tudo para negociar, reduzindo o valor da mensalidade até onde ele quisesse.

– Alô? Eu queria cancelar minha linha. O quê? Preciso confirmar alguns dados? Sim, sim. Nome e CPF. Ok, vou anotar o protocolo.

– Obrigado por aguardar, senhor. Sua linha já foi cancelada. Posso ajudar em mais alguma coisa?

– Cancelada? Mas... você não vai oferecer uma redução de mensalidade, algum produto ou benefício?

– O senhor solicitou o cancelamento da linha, senhor. Algo mais? – repetiu o atendente, e meu amigo desligou, num muxoxo, cabisbaixo e soturno, (como dizem?) “chutando pedrinhas".

Oras. Também eu já cometi esse disparate (quem nunca?). E a conta do telefone não tem exclusividade para comportamento tão reprovável. Já vi gente fazendo isso com operadoras de cartão de crédito, em empregos formais, e o pior e ainda mais abjeto: gente fazendo isso com gente (justamente o que não é possível tolerar).

A esse comportamento eu poderia chamar de Síndrome de Jânio, e como posso imaginar o estranhamento dos amigos leitores, apresso-me em explicar: por “síndrome de Jânio” entendo o simulacro da desistência de um bem ou serviço, a fim de obter quaisquer benefícios, tendo por base a suposta importância que se julga ter perante o prestador. Um blefe, trocando em miúdos. Ora, e porque Jânio? Jânio Quadros, nosso vigésimo segundo presidente, renunciou ao cargo apenas sete meses após tomar posse, alegando em sua carta, que “forças terríveis” haviam se levantado contra ele. Pois bem. Anos mais tarde, em entrevista para aquele programa dominical (cujo-nome-não-se-deve-pronunciar), um sobrinho-neto revelou que, Jânio estaria certo de que o povo tomaria as ruas, clamando por sua volta ao poder. O que não aconteceu, evidentemente.

E o que aprendemos com tudo isso, crianças? Que nem todo plano, estratégia, truque ou malandragem funciona – por mais elaborado que seja; que às vezes não temos a importância que julgamos ter; e que, por esses e (muitos) outros motivos é que vale a pena ser honesto, sempre. E embora eu acredite que a tão famigerada Síndrome de Jânio se trate de mais um torpe subterfúgio entranhado nos genes humanos, não se pode conseguir nada que preste enganando os outros, como bem ensinaram papai e mamãe. A vida não é um jogo e não dá pra ficar blefando para cá, para lá e acolá.

Honestidade, terráqueos. Com as pequenas e com as grandes coisas.


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