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Sujeitinho invocado

Por George dos Santos Pacheco
01/07/20 - 08:50

Foram meses de trabalho árduo, mas agora, a Estação “Livre" de Integração estava, finalmente, entregue à população. As coberturas incluídas nos lados Norte e Sul do terminal, davam um desenho moderno e arrojado ao projeto original e garantia maior conforto aos passageiros que aguardavam suas conduções nas plataformas. Ele raciocinava sobre isso, parado sob o telhado recente, enquanto dava uma última conferida na lista de compras que a esposa havia feito. “Qualquer coisa, me liga", disse ela, mas ele gostava de ter sua autonomia. Achava ridículo ter que ficar pedindo orientações, mas odiaria ser chamado à atenção por um item esquecido.

Nada de seu ônibus. A impressão era que só passavam coletivos em direção aos bairros mais populosos. Suspirou, um tanto aborrecido. Virou-se para o homem ao lado, um senhor de sessenta e poucos anos, cabelos grisalhos penteados para trás, os braços cruzados sobre a barriga protusa.

– Boa tarde! Poderia me informar se o Catarcione já passou?

– Reparei não, amigo. – disse o homem, a voz carregada de uma aspereza incompreensível.

– Obrigado. – agradeceu resoluto, esticando os olhos para a Rua Galiano das Neves, de onde o ônibus chegaria ao terminal.

– Agora, você vê. Gastaram um dinheirão nessa rodoviária. Levou quase um ano pra ficar pronta! E o hospital? E esse monte de ruas, todas cheias de buracos? – continuou ele, ignorando seu agradecimento. Mas que sujeito invocado!

– É verdade. – comentou, apenas para não deixá-lo constrangido, desviando o olhar momentaneamente em sua direção. O velho continuou.

– Estão sempre atrasados, meu filho. Safadeza. Agora, me diz: do que adianta essa papagaiada toda na rodoviária, se os ônibus estão sempre atrasados? Isso é embuste do mais sórdido.

– Não havia pensado dessa maneira. – respondeu com apatia, sem encará-lo, observando outro carro com destino ao bairro de Olaria chegando à plataforma. Por trás dele, porém, com o letreiro luminoso indicando “Catarcione", largava à estação, quase em “câmera lenta", como se debochasse da distância. O homem abandonou a conversa súbita e radicalmente, mas o velho segurou-o pelo braço, o qual ele sacolejava desesperadamente na tentativa de desvencilhar-se.

– É por isso que sempre anulo meu voto. Ô, rapaz! Não acha que estou certo? – insistia o senhor.

– O que é isso? Me solta! Ô, motorista! – gritava ele, ora com o velho reclamão, ora com o condutor do ônibus, livrando-se, finalmente, correndo com sacolas em ambas as mãos. – Ô, motorista! – repetia e, nem percebeu quando uma das sacolas plásticas rasgou, deixando cair meia dúzia de laranjas pela calçada. Desistiu de correr, frustrado, quando o coletivo já estava longe demais para alcançar.

Seus olhos marejados de raiva, miravam o carro distanciar-se... imperturbável, indiferente, e infame, quando uma jovem aproximou-se com algumas das frutas que haviam caído.

– Essas sacolas não valem nada hoje em dia, não é? – disse ao entregar-lhe as laranjas, abaixando-se para pegar mais.

– É... não valem nada mesmo. – concordou franzindo os lábios, num suspiro melancólico e irritado, catando as frutas e guardando nas sacolas boas.

– Você está aqui há muito tempo, moço? Sabe se o Varginha já passou? – perguntou inocentemente.

– Ora, tanto faz. Eles vivem atrasando mesmo. E ainda gastaram um dinheirão aqui na estação! E o hospital? E as ruas esburacadas?


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