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Todos querem ser Brizola

Por George dos Santos Pacheco
14/09/22 - 11:27

“Saber ouvir quase que é responder.” (Pierre Marivaux)

Ah! Lembrei o que queria dizer. Bem, a verdade é que estamos sempre querendo dizer alguma coisa, mas a essa altura do campeonato, aprendi que um dos grandes segredos da vida é saber calar quando o silêncio for mais construtivo que a própria voz.

Enfim. Quando eu era garoto, tinha um vizinho que tomava umas canas no bar que ficava em frente à minha casa. Era um caboclo alto, do cabelo grisalho penteado para trás e bigode, também grisalho, que quase cobria os lábios. Daí que ele ficava com o copo americano (que é bem brasileiro, aliás) na mão, vinha até a beirada da calçada, e descarregava suas impressões sobre a sociedade, sobre a própria vida, num discurso eloquente e vibrante. Por conta disso, a criançada pôs o apelido nele de Brizola.

Antigamente não era todo mundo que tinha coragem de dizer o que pensa, mas hoje em dia, ninguém parece ter mais vergonha em vomitar gratuitamente todo o tipo de bobagens por aí, usando para tal, redes sociais e coisas do tipo. Aliás, sentimo-nos no direito disso, haja o que houver, doa a quem doer. Somos, agora, donos do jornal e da calçada. Tornamo-nos hipócritas, canastrões e insensíveis.

E olha como aprendi a divagar antes de dizer o que quero. Daqui a pouco esqueço outra vez, e já viu, vou ter que improvisar novamente.

Então, não me alongo mais. Tudo aconteceu quando, dias atrás, fui ao mercadinho do bairro com a famosa listinha que a Dona Maria faz. Entrei, cumprimentei todo mundo, peguei o que queria, fui ao caixa, cumprimentei o menino com nome de apóstolo, paguei, agradeci, voltei ao carro e segui para casa. Deixei as coisas que comprei sobre a mesa, lavei as mãos, sentei-me ao sofá e fiquei zapeando os canais. Meu filho mais velho fez-me uma pergunta, eu respondi, e então… o tal estalo que eu tive e esqueci (talvez a consciência querendo se eximir da culpa). Naquele momento, dei-me conta de que fui ao mercado, muitíssimo simpático, mas não olhei ninguém nos olhos.

Cumprimentei a todos, paguei pelos produtos, agradeci, mas não olhei ninguém nos olhos. Pior ainda, respondi meu filho sem encará-lo, ao chegar em casa e procurar canais na TV. E o que eles entenderam com essa atitude? Que os produtos, que o dinheiro, eram mais importantes que eles… que a televisão era mais importante. Não foi isso que eu disse? Francamente, eu nem me lembro o que meu filho perguntou e isso me envergonha muito mais do que arrebentar a sandália em um dia de chuva em plena Alberto Braune.

Como nos tornamos tão babacas assim? Ah, você não? Desculpe, vou refazer a frase: como me tornei tão babaca assim? Isso parece normal, mas não é, apesar de tão vulgar, tão comum em nossos dias. Vivemos uma era de individualismo, hipocrisia e insensibilidade. Ninguém dá mais a importância que o outro merece, no trabalho, na família e ou em quaisquer outros círculos. Todos queremos falar alguma coisa, poucos se dispõem a ouvir. Somos confidentes de corpo presente, nada mais que isso.

E para encurtar o papo (até porque já falei coisa demais), vou contribuir com minha parte pra mudar alguma coisa nessa bagunça. Caso alguém me procure, até mesmo um desconhecido, farei o mínimo esforço de largar o celular, o controle da TV, ou qualquer outra coisa e dar-lhe-ei atenção. Quem quer que seja. Talvez, isso inspire a outros e quiçá, algum dia, nos habituamos e nos tornamos humanos, outra vez. Pois mais importante do que dizer o que se quer, é ser ouvidos para alguém.


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