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Tudo diferente

Por George dos Santos Pacheco
27/12/23 - 08:39

"Viver é melhor que sonhar" (Belchior)

Estava decidido a fazer tudo diferente este ano. Nada desse negócio de pular sete “ondinhas”, nada de “roupinha” branca, nada de comer doze “uvinhas”… enfim, nada dessa palhaçada toda. Estava definitivamente cansado disso. Recusava-se, desta feita, a fazer parte dessa truanice. Quem foi que disse que isso ou aquilo atrai bons fluídos, boa sorte? Muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender? Ora, façam o favor!

“Ahn, ahn. Ninguém vai a Rio das Ostras este ano...”, objetou, resoluto. Os protestos foram imediatos, inconformados, carregados de emoção.

– Como “ninguém vai"? – perguntou a mulher num tom severo, porém comedido. “Paia não?”, arguiu o caçula, sentado num suporte infantil no banco de trás. O carro deu um solavanco numa falha do calçamento.

– Não vamos, ué. A gente faz um churrasquinho em casa, sem essas firulas todas, vai ser bacana. – explicou-se o homem, fingindo naturalidade. Freou o carro, debreou e deixou o câmbio em neutro.

– Vai ter praia sim, meu filho. – consolou a mãe, num tom calmo, e prosseguiu. – Aí você decidiu isso aí sozinho, sem perguntar pra gente? – inquiriu ela, mudando de ar e semblante. Ora, essa.

– Querida, para quê praia? A gente pode muito bem se divertir em casa. Imagina aquela muvucada toda na areia, aquela confusão… trânsito, engarrafamento, dificuldade de estacionar. – argumentou o marido, movendo brevemente o olhar para a mulher.

– Ah, manhê... nem pensar! Eu até já combinei com o Thiaguinho! – reclamou a filha adolescente, erguendo subitamente o olhar da tela do celular. O pai buzinou para um carro que permanecia parado a sua frente, embora o sinal estivesse aberto. “Paia não?”

– Nós vamos sim, claro que vamos. – insistiu a mulher, voltando-se para trás para acalmar os filhos. Uma freada brusca fez os tripulantes sacudirem e encararem o motorista com indignação ainda maior.

– Gente, vocês não percebem que isso tudo é uma palhaçada? Pular ondinhas, vestir branco, beber sidra... Romã, nem se fala. Você nem gosta de romã, Beatriz. E quem é Thiaguinho?

– Meu bem, eu não tô nem aí se isso é palhaçada ou não: eu já escolhi o meu vestido, o da Isabella, sua camisa, a do Gabriel… – explicou a mulher, ignorando a pergunta sobre o tal “Thiaguinho”. – Além do mais, se a gente não for, o que os outros vão pensar? “Olha só... será que eles estão passando por alguma dificuldade?”. Não, não, não. Nós vamos e ponto. Vai ter brinde com sidra, foto em rede social, tudo o que temos direito... – sacramentou a mulher, enfática, interrompendo a frase no arroubo do caçula.

– Paia nãoooo! – esbravejou, subitamente o moleque, suspendendo a discussão. A irmã, sorriu, mergulhada numa espécie de tranquilidade com a desenvoltura da mãe naquele infame debate.

– Vocês não entendem... todos esses rituais não servem de nada! Nada mesmo. Tudo o que a gente promete, só depende de nós mesmos. Nós não precisamos de nada disso. De praia, de frutas, de castanhas, patuás… Só dependemos de nós mesmos. – disse ele, assertivo, mudando de faixa e buzinando para o motorista retardatário.

– Gabriel, meu filho, nós vamos à praia sim, tá? Papai está de brincadeira, não é papai? – disse a mulher, calmamente, após um suspiro, quando o carro parou em um sinal. – Gustavo, meu querido. – Ninguém aqui está pensando se vai funcionar ou não funcionar coisa alguma. Brasileiro gosta de simpatia no fim do ano e friburguense gosta ainda mais de Rio das Ostras. A gente quer é viver o momento, brincar, dançar... se divertir. Ser feliz. Você pode até não querer ir, só não pode decidir por todos nós. Aliás, se não quiser ir, tudo bem, é um direito seu. Nós vamos. Você fica em casa com o seu “churrasquinho”. – ultimou a mulher quando o carro arrancou de novo. E fim de papo.

O marido não teve mais argumentos e precisou se calar, franzindo os lábios, num fastio. Este ano foram à praia, a esposa num vestido branco de linho, ele numa camisa social (também branca) de viscose com detalhes bordados. Os filhos, à mesma maneira: o pequeno se esbaldando na areia e a adolescente aninhada nos braços do “fofo" do Thiaguinho. Fotos e mais fotos bombardearam as redes sociais (morram de inveja, amigas): brindes com taças de sidra, sorrisos sinceros, abraços emocionados... No pipocar dos fogos, decidiu, abraçado à esposa, que ano que vem fará tudo diferente: não discutirá coisa alguma, irá para onde a família desejar, vestirá o que ela decidir, pulará ondas, fogueiras, problemas, qualquer outra coisa que quisessem. Afinal de contas, melhor é ser feliz do que ter razão!


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