Um caso sem solução
“A coisa mais bela que o homem pode experimentar é o mistério. É essa emoção fundamental que está na raiz de toda ciência e toda arte.” (Albert Einstein)
Diga-me com quem andas, e… não te direi coisa alguma, porque não tenho nada a ver com isso. Ah, quem nos dera! Quem nunca se pegou opinando sobre algo que não nos diz respeito? Criando teorias e soluções para dilemas que não os nossos? Atire a primeira pedra! Sabemos de cor a melhor escalação para o nosso time, os melhores candidatos para nossa cidade, se aquele conhecido deve se separar ou não. Uma coisa, porém, é desenvolver uma ideia sobre uma questão, outra, bem diferente, é externar esse pensamento. Ah, quem nos dera.
A mente humana tem a necessidade de decifrar padrões, seja a partir de imagens, sons ou fatos, é uma sequela de nossa evolução. Fomos programados para reconhecer determinados indicadores do ambiente, na expectativa de encontrar algum fator em comum, que dê sentido ao que está sendo observado, a fim de nos prevenir de possíveis ameaças. Acontece que isso moldou nosso comportamento de tal maneira que a maioria de nós não consegue presenciar algo sem elucubrar uma razão, consequência ou solução.
Bráulio Tavares, em sua crônica “Quatro crimes insolúveis”, publicada em seu blogue “Mundo Fantasmo”, discorre sobre quatro crimes (um em Shangai, outro na Itália, os demais em Londres, e no Rio de Janeiro) arquivados, sem solução. Isso mesmo, ele apenas expõe os casos, sem se apegar a juízos de valor (o que não corrompe seu trabalho, absolutamente). Entretanto, um cara que tem mania de analisar letras de músicas não passa incólume por uma leitura dessas, e lá estava eu, bancando o detetive, tentando desvendar os mistérios daquela crônica.
Senti-me, então, inspirado a divagar por outros casos sem solução, com a diferença de elaborar ao menos uma teoria sobre o assunto. Por que não? A ciência dá-me abrigo.
Em 30 de janeiro de 1979, o voo 967 da Varig decolou em Tóquio, no Japão, rumo ao Rio de Janeiro, mas desapareceu no Oceano Pacífico, a cerca de 500 quilômetros da costa do Japão. O Boeing 707 transportava seis tripulantes e 20 toneladas em carga, que incluía 53 quadros do pintor Manabu Mabe, avaliadas em US$ 1,2 milhão. A buscas foram realizadas durante oito dias, entretanto, nada foi encontrado, nem mesmo os destroços da aeronave. Na época, um relatório da empresa apontou a impossibilidade de encontrar algum indício que explicasse as causas do desaparecimento do avião. Os seis tripulantes foram declarados mortos.
La casa de papel. Imagina aí, terráqueo: Professor e Cia. Ltda. reunindo-se em algum vilarejo em Tóquio, enchendo a cara de saquê, maquetes do galpão, rotas de saída, caminhões disfarçados, sistemas de semáforos hackeados… Meu senhor, as obras do talentosíssimo Manabu Mabe, jamais embarcaram naquele voo. Tendo em vista, que o piloto fez contato com a torre de controle vinte minutos após a decolagem, depreende-se que o avião, de fato, decolou. Seu desaparecimento, contudo, era o ato final da encenação. O fato de ele sumir, justamente, no profundo Oceano Pacífico justifica a dificuldade em encontrá-lo e mais ainda, a ausência de destroços indica que ele não explodiu ou não se desmantelou no choque com o mar; evidentemente, a presença de restos da fuselagem e da carga, revelaria a mágica do Professor. A trupe deve ter passado o resto de seus dias em algum paraíso tropical, de camisas floridas, tomando “Adios Muchachos” e “Blue Hawaiian’s”. Próximo!
Na madrugada de 31 de dezembro de 2016, a estátua de Getúlio Vargas, localizada na praça homônima em Nova Friburgo, levou uma queda do pedestal de granito onde estava instalada. Na época, a hipótese mais provável era que o monumento teria sido alvo de vândalos, mas os envolvidos jamais foram identificados. A peça, inaugurada em 19 de abril de 1955, e confeccionada em bronze, possui 1,70 metro e ficou com a cabeça completamente danificada, com o impacto. Nota: o pai dos pobres tinha, na verdade, 1,60 metro e detestava sua altura, por esse motivo, os fotógrafos oficiais eram obrigados a usar artifícios para tentar registrá-lo maior do que de fato era.
Investigativo leitor, numa cidade com câmeras para todos os lados, em fachadas de lojas, prédios, e nos celulares de transeuntes salivantes para postar vídeos e fotos nas redes sociais, não foi possível localizar os responsáveis por derrubar uma estátua de bronze? Ninguém viu, sério isso? É evidente que alguém viu. Provavelmente, tratava-se de um grupo de playboys adolescentes, grogues de bebidas caras, fazendo graça após a balada, o mesmo tipo que se diverte ateando fogo em moradores de rua. Assim, fica patente porque a identidade dos autores do atentado ao Getúlio Vargas friburguense nunca veio à tona. Agora vamos à pergunta que vale um milhão de reais.
Em dezembro de 2023, a Prefeitura instalou na Avenida Alberto Braune, uma série de postes de metal que serviram como base dos arcos que enfeitaram a principal artéria da cidade, como parte do projeto “O Encanto de Natal: Fábrica dos Sonhos”. Os postes permaneceram instalados para abrigar os refletores para os desfiles de Carnaval e estão lá, depois da Páscoa, inclusive. Se os ditos-cujos atrapalham o trânsito, o estacionamento nas improváveis vagas do centro, danificam o calçamento, poluem visualmente o burgo turístico, se já ocasionaram até mesmo acidentes de trânsito, por que causa, motivo, razão ou circunstância ainda estão lá? Doravante, farão parte da paisagem friburguense?
Essa, Silvio, sinceramente, eu não sei responder – e acredito que nem Rui Barbosa saberia. Caso fadado a atravessar gerações sem resposta e ser arquivado, sem solução. Mistério!
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