Uma proposta indecorosa
– Senhora, eu falo da Money Talks More High – Assessoria Financeira. Como vai? – disse a atendente de telemarketing do outro lado da linha, numa voz melodiosa em tom mezzo-soprano. A ligação pegara a mulher no meio de um emaranhado de tarefas, entre relatórios de pagamentos, deduções e retenções, planilhas e documentos de clientes. Suspirou, incomodada.
O telemarketing, coevo modelo de vendas por telefone, servia a um sem número de serviços, e nos últimos tempos, se apoiava em um número ainda maior de estratégias para convencer até o mais arredio dos possíveis clientes.
– Pois não? – respondeu rudemente, após um muxoxo.
– O motivo do meu contato é que temos um excelente produto e... – continuou a moça, quase sem respirar, sendo interrompida bruscamente.
– Veja bem, querida. Eu não estou interessada em nenhum tipo de produto, qualquer que seja: cartão de crédito, compra de dívida... nenhum. Ouviu bem?
– Mas eu nem expliquei do que se trata, senhora. Como sabe que não tem interesse? – insistiu ela, mantendo a voz serena e dicção clara, mesmo diante da negativa da interlocutora.
– Eu sei sabendo. Se estivesse interessada em alguma coisa eu procurava a sua empresa. Não sei como vocês tem acesso a meus dados bancários, telefone e tal. Isso deve ser ilegal, suponho. De qualquer forma, agradeço seu contato, mas não me ligue mais. – disse ela com a voz carregada de uma raiva contida, afinal, estava em seu ambiente de trabalho e precisava ser discreta. Mas se havia um tipo de coisa que a irritava profundamente era essa inconveniência contemporânea dos atendentes de telemarketing. Já ia desligar o celular quando ouviu um choramingo quase infantil.
– Humpf...
– Moça... – sussurrou apoiando a mão a frente da boca.
– Quê? – respondeu chorosa.
– Você está chorando?
– O que isso importa? Você não está interessada mesmo. Desliga logo esse telefone. – murmurou fungando tristemente.
– Não, peraí. Não é bem assim. – argumentou, saindo da sala. Os relatórios já eram.
– Mentira. Vocês são todos iguais. – acusou com rancor. Perdera toda a melodia da voz, todo o charme e elegância.
– Desculpe se fui grossa. Mas estou no meio de um trabalho importante, e realmente...
– Tá, eu sei que isso tudo é muito chato. Mas é meu emprego, pô. Eu tenho metas de vendas e sei que não vou alcançar. Vou ser despedida!
– Não vai não, relaxa. – consolou.
– Claro que vou, já me avisaram. E eu tenho filho para criar! Merda! Eu não faço nada certo! – refletiu aumentando ainda mais a choradeira.
– Calma, querida. Do que você precisa, afinal? – perguntou-lhe, numa simpatia forçosa.
– Desculpe, você não pode me ajudar. – respondeu relutante, afastando a boca do fone. Ia desligar.
– Ora, mas é claro que posso. Do que você precisa? – insistiu com mais veemência, diante disso.
– Acho que se eu conseguir fazer mais uma venda minha situação não fica tão ruim assim... talvez eu não seja nem despedida. – respondeu ainda relutante, numa crescente empolgação, porém.
– E o que você está vendendo? – perguntou solícita.
– Uma assinatura do cartão de crédito platinum internacional da Money Talks, que está revolucionando o mercado financeiro. Temos as melhores taxas de juros por um preço que a senhora pode pagar! – respondeu engolindo o choro de imediato, recitando os benefícios do produto, minuciosamente decorados, numa voz melodiosa em tom mezzo-soprano.
Ora... era só o que lhe faltava.
A mulher desligou o telefone abruptamente. Percebera, num raro momento epifânico, que estava caindo na mais antiga, eficaz e indecorosa estratégia de persuasão; desenvolvida e aperfeiçoada desde os cueiros da humanidade: a lágrima.
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