Uma sutil engrenagem
"Quando a casa do vizinho está pegando fogo, a minha casa está em perigo." (Horácio)
Horácio, um poeta lírico e satírico romano que viveu entre 65-8 a.C., é conhecido por sua famosa ode "Carpe Diem". Apesar de não ser considerado um filósofo no sentido estrito da palavra, ele era reconhecido por abordar o tema em seus poemas.
Num mundo cada vez mais indiferente, as palavras de Horácio ressoam em nossos ouvidos; se meu vizinho está em apuros, então eu também estou. No entanto, parece que nos importamos cada vez menos com o próximo. Se uma ameaça não bate à nossa porta, assistimos insensíveis à vida através da janela.
A falta de compaixão é evidente. Bertolt Brecht também aborda essa questão. Levaram os negros, os operários, os miseráveis e desempregados..."Agora estão me levando, mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo".
Ô, cara pálida. A sociedade contemporânea incentiva cada vez mais o individualismo e a indiferença, mas é essencial que sejamos críticos o bastante para identificar e combater os sistemas, hábitos ou pensamentos que alimentam essa sutil "engrenagem". Como seres sociais, dependemos uns dos outros — e não precisamos de um poeta romano (ou de um colunista semanal) para nos lembrarmos disso.
O que é patente, mas ninguém parece ver (ou fingem não ver), tanto aqui como nos mais distantes rincões desse nosso Brasil varonil, é que se um sujeito pede esmolas na mesma calçada em que caminho, eu também corro esse risco; se um colega de trabalho foi demitido, igualmente estou ameaçado; se há pessoas que padecem em um hospital público sucateado, também estou exposto a essa possibilidade; se um concidadão sofre pela negligência em sua rua, sua escola ou por outro infortúnio, qualquer outra unidade de homo sapiens dessa cidade está vulnerável aos mesmos apuros. O que fazemos diante disso, prezado leitor? Fingimos demência e abstraímos, até que o perigo, de fato, nos alcance.
Entretanto, muita atenção, terráqueo: ainda que o exercício da compaixão deva ser recíproco, isso não significa que devemos esperar que os outros se importem conosco para podermos nos solidarizar, faça-me o favor. A indiferença e seus filhos estão por aí, difusos, volatizados, mas amar o próximo (como a nós mesmos) nunca esteve tão na moda, e nunca se fez tão necessário. Afinal, se todos dermos as mãos, quem sacará as armas?
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