As relações entre a batata protestante e a vacina comunista
Alguns consideram os cronistas com certa queda pela loucura, outros consideram que eles são capazes de descobrir as relações mais curiosas entre as diferenças e conseguir escrever um texto que unifique o que, na aparência, seria impossível. Sou, marcadamente, cronista e tenho influência antiga. Aos 9 anos de idade, já com dois anos de alfabetização, lia duas crônicas que eram publicadas na revista O Cruzeiro. Abria a revista e lia a última página, onde estava a crônica de Raquel de Queiroz; depois, procurava pelo miolo da revista e lia a crônica de Rubem Braga. Aí está a influência primeira na minha vida de escritor. O sarcasmo que me acompanha e me ajuda em muitas ocasiões, está no DNA. Esta crônica é sarcástica. No entanto, quanto aos fatos históricos, ela é fiel ao passado e ao presente.
Um conhecido professor de física em Nova Friburgo, o padre jesuíta Maurício Ruffier, filho de franceses que migraram para o Rio Grande Sul, contou-me um fato curioso sobre o cultivo da batata no século XVIII. Sabemos que a batata tem vestígios no Peru e Venezuela com fósseis datados de 8.000 anos antes de Cristo. Ocorre que o século XVIII trouxe fome à França, ao mesmo tempo foi o século da Revolução Francesa. A Alemanha já conhecia a batata como alimento e vendia para outros países. Na sua narrativa, Ruffier referia-se a uma França católica e a uma Alemanha protestante, sobretudo, Luterana. Não deveriam os católicos comer um tubérculo de origem protestante, embora, digo eu, sempre soube que a fé entrava pelos ouvidos e, não, pela boca. Mas foi graças ao aumento da fome na França que acabaram por comprar batatas da Alemanha. Parece-me que havia um medo de que um católico francês pudesse converter-se ao protestantismo por comer batatas de um país luterano.
Hoje, no Brasil, ocorre algo semelhante diante das vacinas contra o coronavírus. Um jornal de grande circulação nesses dias de confinamento de 2020 afirmou que as pesquisas indicam quase 60% de brasileiros que se negam o tomar a vacina chinesa da Sinovac. Seria uma ideologia, seria um trabalho de memética feito pelo governo federal contra produtos chineses por serem comunistas? O fato é que em alguns momentos sinto-me na França do século XVIII, quando não se comprava batata da Alemanha porque era uma batata protestante. Há alguns dias, o governo federal informou que enviaria uma medida provisória ao congresso para comprar 46 milhões de doses de vacina da Sinovac. Um dia depois, voltou atrás e cancelou a medida provisória e a compra. E continuam discutindo em Brasília esta questão, envolvendo a Anvisa, o governo de São Paulo e o Instituto Butantan. Finalmente, depois de rusgas entre governantes, o Butantan poderá comprar 6 milhões de vacinas da Sinovac (chinesa), para continuar os testes no Brasil.
A vacina de Oxford seria uma vacina capitalista? A vacina americana seria trumpista? Em meio a tudo isso quem ri da gente é o vírus!
Interessante, li há dias que um dos componentes da vacina de Oxford é fabricado na China! E agora, o que fazer, qual vacina tomar? Talvez por isso alguém do governo federal disse que prefere curar a doença que obter vacina. A escola me ensinou a diferença entre nesciência e ignorância. O nesciente não sabe o que não precisaria saber; o ignorante não sabe o que deveria saber. Agora você decide em qual situação está enquadrado o comportamento do governo federal.
O negacionismo sempre existiu. Não existe, o que eu não quero que exista! Reações contra a ciência, também sempre existiram, muita gente foi morta porque acreditava na ciência. O que sempre faltou à humanidade foi o bom senso. Hoje, mais que nunca, está fazendo muita falta!
Durante trinta anos lecionei história, inclusive a medieval. Não esperava viver dias parecidos, tão obscuros e tão sem esperança. Não sei ainda se são dias de nesciência ou ignorância porque fiz uma consulta ao leitor e estou aguardando a resposta.
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