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Viva la revolución!

Por George dos Santos Pacheco
16/04/25 - 08:50

"Um homem sábio pode considerar a vida uma comédia, uma tragédia ou uma farsa, e ainda assim gozá-la." (Harry Emerson Fosdick)

Os degraus de madeira rangiam à medida que seus passos os subiam. O relógio no pulso indicava oito horas da noite e o menininho já o esperava na cama, vestindo um pijama claro com tema de animais, agarrado a um urso de pelúcia, na penumbra do quarto. Puxa vida, estava crescendo tão rápido! A infância é, de fato, mágica, lúdica e, inevitavelmente, breve. A sensação de ver o filho escapando pelos dedos lhe dava um aperto no coração e marejava seus olhos. Pelo menos, a cegonha estava trazendo um irmãozinho para ele. Ah, ele ficará tão feliz com a notícia!

Bateu na porta aberta. O quarto estava iluminado apenas pelo abajur, mas a fraca luz não impedia o débil vislumbre dos brinquedos nas estantes e prateleiras, e os pôsteres de personagens de TV na parede. O menino sorriu ao ver o pai e se ergueu para sentar-se no colchão.

— Oi, pai! – cumprimentou o garoto, abandonando o brinquedo e sentando com as pernas cruzadas, as mãos entrelaçadas sobre o ventre.

— Oi, filho! Tudo bem? Escovou bem esses dentes? – perguntou o pai, aproximando-se.

— Escovei sim, ó! – respondeu ele, sorrindo com a boca escancarada, evidenciando a ausência de um dos incisivos.

— Tem que cuidar direitinho, senão a Fada do Dente não passa, hein? – orientou o homem, passando a mão pelos cabelos do menino.

— Ah, sim, pai… – disse o filho, com um ar de desinteresse.

— Então, já decidiu o que vai pedir para o Papai Noel? – perguntou o pai, sorrindo. Aproveitaria a deixa para contar sobre a gravidez da mulher.

— Claro! Eu vou querer um ovo de chocolate bem grandão, daqueles que vêm com um brinquedo… – respondeu o menino, com um estranho brilho no olhar.

— Como é que é? Mas filho… a Páscoa é só no ano que vem… isso… isso você precisa pedir para o Coelhinho da Páscoa! – esclareceu o homem, desconcertado.

— Err... pai... senta aqui, senta. – disse o garotinho, com um semblante sério, indicando a beirada da cama com uma batidinha de mão. – O senhor precisa ser forte. – concluiu, após um breve silêncio, quando homem se sentou. A história do caçula teria que aguardar.

— Do que você está falando, meu filho? Está me deixando preocupado… – perguntou ele, sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha.

— Pai, não existe no mundo inteiro uma só espécie de coelho capaz de pôr ovos, quanto mais de chocolate. O Coelhinho da Páscoa não existe, é só uma estratégia de marketing muito eficaz que agrega valor ao produto "ovo de chocolate". Ele foi ligado à Páscoa porque se reproduz rapidamente e simboliza fertilidade e vida nova, assim como o ovo representa o nascimento e a vida. – explicou a criança, com um tom eloquente e sério, perdendo o fôlego no final do discurso.

— Quem te disse essas coisas, filho? – perguntou o homem, franzindo a testa. Já sabia que o garoto era mais esperto que os demais, mas esse pensamento contestador e subversivo às vezes o perturbava. E quando ele encontrar alguma emoção veloz e desgovernada pelo caminho?

— Não se preocupe, pai! Ninguém me disse nada, só juntei algumas informações e o resto é óbvio, né? A Fada do Dente também é uma mentira, um mito criado para incentivar as crianças a cuidarem dos dentes. Porque se ela é uma fada, ela vive em um mundo mágico, sem fronteiras de países, etc., então, a moeda que ela me daria em recompensa pelo dente deveria ser algo mais universal... ouro, por exemplo. Em vez disso, ela me dá uma moeda de um real, dá um dólar para uma criança americana, dois mil guaranis para um paraguaio… enfim, ela frequenta casas de câmbio para poder recompensar as crianças do mundo inteiro? – continuou, explicando meticulosamente seu raciocínio (e o pai arregalava ainda mais os olhos).

— Não tinha pensado nisso, filho… – balbuciou o homem, sem saber muito o que dizer. Pensou em chamar a mulher, talvez ela fosse mais indicada para lidar com aquela situação, mas o garoto interrompeu seus pensamentos subitamente.

— Pois é, e aqui nesse quarto o senhor é o único que pode votar nas eleições… – comentou, como quem fala consigo mesmo, abaixando a cabeça e mirando as mãos inquietas.

— Filho, chega disso. É melhor você ir dormir. Amanhã você me diz o que vai pedir para o Papai Noel… – orientou o pai, levantando-se da cama e se dirigindo à porta, sentindo uma necessidade urgente de encerrar de vez aquela conversa.

— Mas eu já disse, pai. O que eu quero de Natal é um Ovo da Páscoa, bem grandão, assim, ó; daqueles que vêm com um brinquedo. Se o Papai Noel, com aquela fábrica mágica cheia de duendes produzindo bicicleta, bola, boneca, celular, jogos de tabuleiro, quebra-cabeças, tablet, videogame… não puder me dar um simples ovo de chocolate no Natal, fica provado que ele também não existe.

— Tudo bem, filho. Já entendi. Boa noite! – disse o pai, parando na porta. Pensou em dizer "Dorme com Deus!", mas temeu que isso gerasse uma acalorada discussão religiosa. – Amanhã, então, você escreve uma carta para o Papai Noel, combinado?

— Carta, pai? Estamos no século XXI, ninguém usa mais isso. O Papai Noel deve ter um e-mail, um call center, duendes de telemarketing ou algo do tipo. Ou não tem? – perguntou o menino, franzindo a testa. Ele era perspicaz e cada argumento tinha um propósito claro.

— Provavelmente, filho. Amanhã a gente manda um e-mail para ele, tudo bem? Boa noite! – respondeu o pai, desviando o olhar e começando a descer a escada.

— Boa noite, pai! – respondeu o menino, desligando o abajur. Bocejou longamente e repetiu a saudação, quase num sussurro, mais para si mesmo do que para o pai.

Os degraus de madeira rangiam enquanto ele os descia. Ninguém precisava dizer que o garoto era mais astuto que os outros, mas esse pensamento contestador e subversivo frequentemente o inquietava. Pensou em levá-lo a uma rezadeira: uma simpatia sempre ajuda nessas ocasiões.

No meio da escada, ainda podia ouvir o menino murmurando: "Ah, tá Papai Noel e Coelhinho da Páscoa... Coelhinho da Páscoa, uma ova! Hahaha! Viva la revolución!".

Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.


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