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Na mosca!

Por George dos Santos Pacheco
10/07/24 - 08:55

“Os homens preferem geralmente o engano, que os tranquiliza, à incerteza, que os incomoda.” (Marquês de Maricá)

“Atirei no que vi e acertei no que não vi”, já dizia Zaratustra, Nostradamus ou Mark Twain. Quem foi que disse mesmo? Sei lá. Antes de mais nada, convém saber que o importante para o parlapatório do dia é tão somente entender o conceito do ditado ou máxima. É bem verdade que paga a pena conhecer o dono do bordão (claro que é), mas em alguns nem tão raríssimos casos, calha muito bem nem querer saber o autor da frase. Vai por mim, terráqueo.

“A providência ajuda os que ajudam os outros”. Maneira essa, não é? De Rudyard Kipling, poeta britânico. Mas bem que podia ser de um filósofo grego, não acha, meu senhor? Por quê? Ora, porque a anedota ganha cada vez mais ares de peça grega (ou novela mexicana), ainda que eu não tenha culpa alguma nisso. Quero dizer... não muito. Garanto que você vai ficar do meu lado.

“Outro dia, eu te vi numa tarde tão veloz”. Essa aí é do Ricthie, ô rapá! Era uma tarde veloz e bonita, de céu azulíssimo, o sol parecendo uma lâmpada de geladeira. Naquele dia, saí do trabalho, despedi-me dos colegas, bati o cartão na portaria e tomei o carro. Mandei mensagens pelo aplicativo esmeralda para Dona Maria (a fim de saber se ela precisava de algum item do centro da cidade), deixei o aparelho no banco de carona e arranquei. Parei no sinal da rotatória do Paissandu (lugar místico e ancestral em que ninguém se entende) e aproveitei para conferir o celular antes de seguir viagem, distraindo-me por pentelhésimos de segundos. Quem nunca? O trânsito estava relativamente bom para as 16 horas de uma terça-feira, assim como o tempo de fins de outono friburguense, numa extraordinária conjunção de fatores. Só faltava eu encontrar vaga para estacionar.

O semáforo abriu repentinamente e eu acordei do devaneio quando buzinaram numa reprimenda por eu ainda não ter largado.“Seja fiel ao pensamento do momento e evite distrações”, Yamamoto Tsunetomo. “Putzgrila!”. Joguei o aparelho de qualquer maneira no porta cacarecos, engatei a primeira e parti. Só então me dei conta de que ligara o rádio e esqueci de aumentar o volume. Sempre acontece. Enquanto calcava o botão do aparelho, reparei caminhando na calçada, pouco depois do Edifício Itália, ninguém menos que o Fabinho, amigo de longa, companheiro de repartição. “Deus está nas coincidências”. Essa é molezinha, é do reacionário Nelson Rodrigues. Reduzi a velocidade e baixei o vidro do lado do carona.

“Aê, bonitão!”. Essa é minha, a plenos pulmões, ao emparelhar o carro com o amigo que andejava pelo passeio. Continuei pela avenida, gargalhando sozinho dentro do carro, feito um idiota. Contornei a Fernando Bizzoto, estacionei, comprei o que Dona Maria queria e fui pra casa. Eu feliz, Dona Maria feliz, todo mundo feliz, fim da crônica. Solo que no.

“Pacheco, seu canalha, filho da mãe”, Fabinho Barboza, ao chegar no dia seguinte na repartição. Sorri e repeti o aceno do dia anterior só para implicar: “Aê, bonitão!”, mas fui forçado a desmanchar o sorriso quando ele continuou a frase. “Você não sabe a confusão que você arrumou ontem na rua”. “Como é que é?”, disse eu.

– Você não percebeu, mas aquela hora em que passou por mim, havia um casal caminhando logo à frente. Quando você gritou “aê, bonitão”, o cara procurou quem gritou, instintivamente, sei lá... – explicava o colega, contendo a gargalhada à custo. – A mulher não se fez de rogada e cobriu ele na porrada ali mesmo, nem esperou o grito sumir no vento. “Por que você olhou para trás, hein? Então, você é o bonitão, é? Seu patife!”, e tome-lhe tapa e o cara se defendendo com os braços. Dormiu no sofá, com certeza!

“Pois não faço o bem que quero, mas justamente o mal que não quero fazer é que eu faço”, São Paulo. Passei o dia acusado de elemento desagregador e esse tipo de coisas. Foi sem querer, transeunte desconhecido! Simplesmente, atirei no que vi e acertei no que não vi. Na mosca, é verdade! Tivesse permanecido mudo e telepático (eu também), nada disso teria acontecido e outra crônica, inclusive, estamparia a coluna desta quarta-feira. Quanto a mim, “o silêncio é de ouro e muitas vezes é resposta”, reza a sabedoria popular. Trocando em miúdos, se não tiver nada para falar, fique quieto!


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