Estudo mundial traça panorama sobre a obesidade e revela que mais de 30% da população brasileira sofre com a doença
Comissão internacional de especialistas propõe reformulação para o diagnóstico da adiposidade

A Federação Mundial de Obesidade lançou o Atlas Mundial da Obesidade de 2025. O documento foi divulgado no início de fevereiro e prevê que até 2030, o número de pessoas entre crianças e adultos obesos no mundo chegará a 1,5 bilhão, caso medidas efetivas não sejam implantadas.
De acordo com o Atlas, no Brasil, aproximadamente, um a cada três brasileiros (31%) vive com obesidade. E essa porcentagem tende a crescer nos próximos cinco anos.
Ainda de acordo com o panorama nacional, cerca da metade da população adulta, entre 40% e 50%, não pratica atividade física na frequência e intensidade recomendadas.
O relatório ainda mostra que 68% da população tem excesso de peso e, dessas, 31% tem obesidade e 37% tem sobrepeso.
Além disso, traz uma projeção de que o número de homens obesos pode aumentar em 33,4%. Entre as mulheres, essa porcentagem pode crescer 46,2%.
Dados internacionais
O relatório revela também que 7% dos países possuem sistemas de saúde preparados para lidar com o aumento dos níveis de obesidade.
Segundo a pesquisa, apenas 17 países (entre eles o Brasil) tinham políticas públicas em vigor para prevenir a obesidade e outros 126 tinham apenas uma ou nenhuma.
Corporações multinacionais da indústria alimentícia são citadas no relatório
De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade de 2025, "embora a existência de múltiplas políticas deva ser celebrada, a implementação e eficácia do sistema alimentar podem ser prejudicados pela interferência de corporações multinacionais".
O relatório ainda cita que "é essencial que a formulação de políticas esteja livre de conflitos de interesse entre os formuladores de políticas e a indústria alimentícia".
A análise do relatório ainda considera:
As táticas da indústria alimentícia, incluindo lobby e bloqueio de políticas, são uma grande barreira para uma ação abrangente sobre obesidade em países de todos os níveis de renda. O fato de países como México, Índia e Brasil terem políticas de sistema alimentar para prevenir a obesidade é uma prova do papel da sociedade civil na defesa e exigindo com sucesso mudanças.
Proposta de reformulação no diagnóstico da obesidade
A Comissão sobre Obesidade Clínica, formada por 56 especialistas representando várias especialidades médicas e países, em publicação na revista científica "The Lancet Diabetes & Endocrinology", em janeiro, defendeu a reformulação no diagnóstico de obesidade, indo além do índice de massa corporal (IMC).
Os pesquisadores sustentam que a definição de obesidade não deve mais depender somente do IMC, mas também é necessário considerar as medidas de gordura corporal para evitar o risco de classificações incorretas de obesidade.
O IMC é o peso em quilos dividido pela altura ao quadrado. Entre 25 e 29,9 é considerado sobrepeso. Se for superior a 30 é considerado obesidade.
Segundo o comitê, o objetivo do estudo é estabelecer critérios para o diagnóstico de doenças, auxiliando na tomada de decisões clínicas e na priorização de intervenções terapêuticas e estratégias de saúde pública.
De acordo com a publicação, a atual maneira de como a obesidade é diagnosticada não permite uma análise individual do paciente:
As medidas atuais de obesidade baseadas no IMC podem subestimar e superestimar a adiposidade [gordura] e fornecer informações inadequadas sobre a saúde no nível individual, o que prejudica abordagens clinicamente sólidas para cuidados e políticas de saúde.
Na publicação, a comissão propõe a obesidade em duas categorias:
Obesidade clínica: é uma doença crônica e sistêmica caracterizada por alterações na função de tecidos, órgãos, todo o indivíduo ou uma combinação destes, devido ao excesso de gordura. Também pode levar a danos graves em órgãos como coração e rins, por exemplo, causando complicações como ataque cardíaco, derrame e insuficiência renal.
Obesidade pré-clínica: é um estado de excesso de gordura com função preservada de outros tecidos e órgãos e um risco variável, mas geralmente aumentado, de desenvolver obesidade e várias outras doenças como diabetes tipo 2, doença cardiovascular, certos tipos de câncer e transtornos mentais.
Os especialistas recomendam que o IMC seja usado apenas como uma medida substituta de risco à saúde em nível populacional, para estudos epidemiológicos ou para fins de triagem, em vez de uma medida individual de saúde.
Em pessoas com IMC muito alto (ou seja, >40 kg/m 2), no entanto, o excesso de adiposidade pode ser assumido pragmaticamente, e nenhuma confirmação adicional é necessária.
Propostas para diagnóstico
De acordo com a nova proposta do estudo, o diagnóstico de obesidade clínica requer que seja avaliado um ou ambos critérios principais:
Evidência de função reduzida de um ou mais tecidos ou sistemas de órgãos
Limitações das atividades diárias refletindo o efeito específico da obesidade na mobilidade como, tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, continência e comer
Já as pessoas com obesidade pré-clínica devem passar por aconselhamento de saúde baseado em evidências, monitoramento de seu estado de saúde ao longo do tempo e, quando aplicável, intervenção apropriada para reduzir o risco de desenvolver obesidade clínica e outras doenças relacionadas à obesidade, conforme apropriado para o nível de risco de saúde individual.
Para os pesquisadores, os formuladores de políticas e autoridades de saúde devem garantir acesso adequado e equitativo aos tratamentos baseados em evidências disponíveis.
Os estudiosos afirmam que as estratégias de saúde pública para reduzir a incidência da obesidade em níveis populacionais devem ser baseadas em evidências científicas atuais, em vez de suposições não comprovadas que culpam a responsabilidade individual pelo desenvolvimento da obesidade.
A comissão ainda destaca o preconceito como grande barreia para o tratamento:
O preconceito e o estigma baseados no peso são os principais obstáculos nos esforços para prevenir e tratar a obesidade de forma eficaz.
Segundo a publicação, todas as recomendações apresentadas na comissão foram acordadas com o mais alto nível de consenso entre os comissários (grau de concordância de 90 a 100%) e foram endossadas por mais de 76 organizações em todo o mundo, incluindo sociedades científicas e grupos de defesa de pacientes.
Pontos de vista de associações médicas
O Portal Multiplix procurou a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) para ouvir as opiniões e considerações destas entidades médicas a respeito do assunto.
Em nota ao portal, a Dra. Cynthia Valério, diretora da Abeso disse, em nome de ambas as instituições, estar de acordo com a recomendação, mas que são necessárias adaptações ao cenário brasileiro:
Em relação à recente proposta da Comissão Lancet sobre Obesidade Clínica, a Abeso e a Sbem avaliam de forma positiva a definição da doença a partir de medidas antropométricas (além do IMC) em combinação com manifestações clínicas relacionadas a adiposidade. Entretanto, reforçam a necessidade de adaptação da proposta à população brasileira e seguem trabalhando de forma a integrar essa recomendação à prática clínica no Brasil, reforçando seu compromisso com uma abordagem científica, humanizada e baseada em evidências para nossa população.
A nota ressalta ainda que tanto a Abeso quanto a Sbem consideram a obesidade como uma doença multifatorial, indo além da simples relação entre peso e altura.
Reforça também que a doença não deve ser vista apenas como um fator de risco, mas como uma condição crônica e complexa, influenciada por fatores genéticos, metabólicos, hormonais, psicológicos, ambientais e comportamentais.
Além disso, as duas instituições possuem o propósito de disseminar este conceito para médicos e profissionais de saúde que tratam a obesidade de forma séria e ética em nosso país.
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