Todos somos filmados e fotografados
A privacidade acabou. Em breve, se não formos rebeldes, em nome da segurança vão nos filmar nos banheiros públicos, junto aos vasos sanitários. Todas as câmeras espalhadas pelas ruas e avenidas, algumas indoor, outras outdoor representam o temor de George Orwell no livro 1984. Chegou este neurótico “grande irmão” que tenta tudo ver e tudo controlar. Discute-se, agora, algo um pouco mais sofisticado: o uso de filmadoras com a possibilidade de identificar pessoas, analisar suas fichas criminais, seus cadastros bancários, segui-las e imiscuir-se em suas vidas mais do que deveríamos permitir.
As grandes democracias ocidentais não permitem que aulas e conferências sejam filmadas a não ser com autorização. Todos sabem que sou palestrante e tenho colegas que não permitem filmagem por questões de direitos autorais. Trata-se de uma luta inglória! Vão filmar. Há instituições que assinam com o palestrante um contrato para uso da imagem e pagam conforme for estabelecido no contrato. Pois bem, uso outro processo. Falo diretamente para alguma câmera ou para os inúmeros celulares, agora potentes filmadoras que podem fotografar e gravar, permitindo que editem e divulguem, sob a alegação de que as ideias irão a recantos que talvez não cheguem pessoalmente. Acabam, assim, fazendo a divulgação do palestrante.
Não tenho razão para impedir que me gravem. E sei das minhas obrigações legais, sociais e de respeito com quem me contrata.
Agora, vamos e convenhamos, se faço uma palestra sobre ética e moral, dentro de um estado democrático de direito, tenho a liberdade de expor minhas ideias. O que não posso e não devo é querer obrigar as pessoas a pensar como eu penso, a seguir os valores que sigo. Posso propor, melhor seria diversificar as propostas, no entanto tenho o direito e isto é inalienável de expor meu pensamento, como a plateia também tem o direito de discutir, de contrapropor.
Clareza sempre é importante. Se alguém for lecionar numa escola particular e confessional, não concordando com o projeto ali implantado, ou procura se ajustar ao projeto ou não lecione lá. Mas, se a escola for pública, dentro de uma sociedade laica, o professor tem todo o direito de expressar suas ideias crentes ou laicas e os alunos poderão segui-lo ou não.
Afinal, estamos ou não numa democracia?
Nossos direitos à liberdade precisam ser defendidos e, em alguns casos, com unhas e dentes. Não será qualquer um fora da lei que queira impor sua vontade, que nos deverá afastar dos valores democráticos.
Quem vive num país livre precisar ter abertura mental para o contraditório, para a diversidade e para as diferenças.
Quando um empresário quiser permanecer no mercado de livre competição sem correr riscos, na verdade não aceita, em seu íntimo, a democracia econômica. Correr riscos faz parte desse modelo.
Quando quisermos, como cidadãos, viver numa sociedade onde o conforto intelectual reside em não ter pessoas com ideias diferentes, na verdade não aceitamos, em nosso íntimo, a democracia social.
É bem provável que seja necessário esquecer conceitos, reaprender muitos deles e rebelar-se com certa constância.
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