Direitos humanos
(a defesa do óbvio)
Os tempos difíceis que vivemos polarizaram tudo. Até os grandes avanços que, a duras penas, conseguimos lograr estão sendo questionados de todos os lados. Instalou-se a falsa ideia de que quem defende determinadas bandeiras está de um lado e quem defende outras está de outro lado de uma disputa. Nós e eles.
Isso ganhou maior expressão no debate cada vez mais acalorado sobre direitos humanos, como se essa “bandeira” fosse partidária. Não é. Não pode ser colocada como tal, sob pena de perdermos todos.
Não bastassem as discussões teóricas e a troca ríspida de opiniões, os atos de violência (em todas as suas expressões) estão cada vez mais frequentes, sim. A sensação que se tem – pelo menos por conta da vitrine que se criou com as redes sociais – é que a humanidade está mais intolerante do que antes. Estamos violando aceleradamente direitos humanos.
É por isso que vale a pena entender que “direitos humanos” não são pauta de um grupo ideologicamente identificado com a esquerda, por exemplo. Se assim tem sido é porque há um fechamento de outros grupos a demandas que estão para além da agenda apenas política.
Direitos humanos são os direitos básicos que devem ser perseguidos, defendidos e garantidos para todos os seres humanos.
São direitos civis e políticos, que têm a ver com o que está fundamento no princípio da liberdade. São direitos econômicos, sociais e culturais fundamentados no princípio da igualdade de oportunidades. E são ainda direitos coletivos mais difusos, que se fundamentam no valor fraternidade.
A expressão lapidar de todos esses direitos está na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
A ideia de “direitos humanos” tem origem no conceito filosófico de direitos naturais – na ideia de que, pelo ‘simples’ fato de a pessoa ser humana, ela é inerentemente portadora de direitos invioláveis. Trata-se de uma “sacralidade” (não religiosa, necessariamente) do ser humano.
O Estado, em tese, deveria existir para garantir esses direitos. Mas como, em geral, não o faz na mesma proporção das violações, e como a maioria das vítimas são os mais “fracos” na sociedade, a bandeira a se levantar deve ser a de garantia da dignidade. O que se deve ter claro, nessa questão, é que quando um tem seu direito violado, é o direito de todos que está ameaçado.
É estranho, ainda, que determinados setores da sociedade (que, em teoria, defendem bandeiras ligadas ao “ser humano”, à “família” e ao “bem”) se alinhem politicamente com grupos muito reacionários em termos de garantia e ampliação de direitos. Há quem, ao mesmo tempo, seja capaz de lutar contra as políticas públicas sobre o aborto, por exemplo, mas defende o direito de todo cidadão andar armado. Ou quem, nesses mesmos casos, concorde com a diminuição da maioridade penal.
É claro que a avalanche de notícias sobre crimes, corrupções, injustiças e toda sorte de violências a que somos submetidos rotineiramente fazem com que sentimentos mais intensos de vingança (ou, ao menos, de “endurecimento” das leis) venham à tona. Mas é exatamente por conta desse cenário que cabe a reflexão sobre a ampliação de direitos. Não apenas no papel, mas com efetividade na vida concreta das pessoas, especialmente dos mais suscetíveis à violação dos mesmos.
A questão deve ser enfrentada sob duas óticas: pela legalidade e pela humanidade. Direitos devem estar garantidos em leis e as instituições da sociedade devem existir para fazer com os mesmos sejam efetivamente respeitados. Mas, antes disso, é o senso de “humanidade” que deve fundamentar essa visão de mundo. A maneira como enxergamos o ser humano – especialmente o outro, o diferente, o “tu” – é que nos inspira a agir de uma ou de outra forma. “Os olhos são a lâmpada do corpo. Portanto, se teus olhos forem bons, teu corpo será pleno de luz.”
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