Prefeitura de Cabo Frio é acusada de enviar 12 pessoas em situação de rua para Espírito Santo com falsa promessa de emprego
Grupo formado por homens e mulheres foi enviado em micro-ônibus descaracterizado para o município de Linhares

Doze moradores de Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio, foram levados para Linhares, município a 560 km de distância, localizado no litoral do Espírito Santo. A denúncia feita pela prefeitura da cidade capixaba afirma ainda que as pessoas receberam "falsas promessas de emprego".
Em vídeo publicado nas redes sociais, o prefeito de Linhares, Lucas Scaramussa (Pode), diz que o grupo chegou em um micro-ônibus descaracterizado, supostamente enviado pelo governo de Cabo Frio.
Segundo Lucas, apenas ao desembarcarem, na tarde de terça-feira, 8, as pessoas descobriram que se tratava de uma mentira.
Na publicação, uma das vítimas relata que saiu da Casa de Passagem, abrigo mantido pela Prefeitura de Cabo Frio para acolhimento de pessoas em situação de rua.
Outro homem afirmou que todos estão em "uma situação de ajuda" e que foram levados a Linhares por causa de uma suposta oferta de trabalho:
Eles chegaram para a gente e falaram que teria um grupo de empresários aqui que estavam mandando o ônibus de Linhares para dar suporte [e aqui] teríamos alojamento, lugar para trabalhar e daria de R$ 20 a R$ 50 por saca de café
, conta uma das vítimas.
A denúncia também foi feita pela vereadora de Linhares Kelley Bonicenha (PSDB), que classificou o caso como uma "higienização humana". Nas redes sociais, Kelley ressaltou:
Essa prática — se confirmada — é cruel e inaceitável. Não podemos permitir que o poder público trate vidas como se fossem descartáveis, como se fosse possível 'exportar' desafios ao invés de enfrentá-los com políticas públicas sérias e humanas. Como vereadora de Linhares, não só repudio esse tipo de atitude, como também cobro explicações sobre o fato ocorrido.
À reportagem, a assessoria de Kelley informou que o grupo é formado majoritariamente por homens, sendo apenas três do sexo feminino. As pessoas têm, aproximadamente, entre 35 e 55 anos.
Na noite de terça-feira, a vereadora esteve com o grupo e afirmou que eles contaram ter recebido "uma promessa de emprego na panha do café e que, quando chegassem aqui, seriam recebidos por alguém que iriam direcioná-los para o trabalho".
Segundo a assessoria, o grupo foi encaminhado à delegacia logo após a chegada à rodoviária, quando uma das mulheres, que está grávida, teve uma crise epiléptica e os outros companheiros chamaram a Guarda Municipal, que foi informada da situação.
A equipe da vereadora estava passando próximo ao local, viu a abordagem da guarda junto com a equipe de assistência e a comunicou. Eles foram encaminhados à delegacia para prestarem mais informações e após foram acolhidos pelo grupo resgate e a casa da acolhida, que fazem esse trabalho no município
, explicou para o Portal Multiplix.
Em nota, a Secretaria Municipal de Assistência Social de Linhares informou que seis pessoas foram levadas para a Casa de Acolhida São Francisco de Assis e as outras seis para o Grupo Resgate, no distrito do Farias.
De acordo com o comunicado, "todos receberam os cuidados necessários como banho, alimentação e atendimentos de saúde".
Desde a última quarta-feira, 9, o governo municipal tenta localizar os familiares das 12 pessoas. Até o momento, apenas um deles teve a família localizada na Bahia e a prefeitura informou que "adotará as medidas necessárias para que o mesmo seja reintegrado".
Ao Portal Multiplix, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça de Linhares, informou em nota que está "acompanhando com atenção os fatos ocorridos e já atua para garantir o acolhimento das pessoas envolvidas, bem como a responsabilização dos autores".
O MPES ressaltou que o foco atual está em identificar as pessoas que chegaram ao município, mapear possíveis vínculos familiares, promover o acolhimento e apurar as circunstâncias do transporte e do eventual abandono dessas pessoas, com o acionamento da Promotoria de Justiça de Cabo Frio e demais órgãos competentes.
A reportagem procurou a Polícia Civil do Estado do Espírito Santo (PCES) que destacou, em comunicado, o fato de a conduta ainda estar sob análise da tipificação penal:
Até o momento, não foi identificado nenhum crime que justifique a atuação da corporação. A situação está sendo acompanhada, e eventuais desdobramentos serão avaliados conforme as legislações vigentes.
O que diz a prefeitura de Cabo Frio
O prefeito de Cabo Frio, Dr. Serginho (PL), publicou nas redes sociais um comunicado oficial sobre o ocorrido, na manhã desta quinta-feira, 10. Em vídeo, ele questiona: "qual seria a razão de encaminhar pessoas para o Espírito Santo? Qual contato que qualquer pessoa daqui teria com empresários de lá para oferecer de alguma forma vantagens ou emprego para uma cidade que eu sequer conhecia?".
Se nós tivemos um programa maligno de higienização social, como estão propagando, nós faríamos assistência social e encaminharíamos essas pessoas em um ônibus fretado pela Prefeitura de Cabo Frio? Todas essas pessoas estavam residindo na Casa de Passagem, morando e sendo acolhidas pela prefeitura. Duas delas tiveram experiências inúmeras vezes de trabalhar na safra de café em Linhares.
No pronunciamento, Dr. Serginho afirma que o grupo expressou o desejo de ir para a cidade buscar emprego e solicitaram o auxílio-viagem da prefeitura. Além disso, segundo o prefeito, apenas uma mulher é de Cabo Frio, mas decidiu ir para Linhares pois sofria ameaças e não tem contato com a família.
Como eram 12 pessoas querendo ir para o mesmo lugar, sairia bem mais barato para a Prefeitura de Cabo Frio fretar um ônibus (...) Elas buscaram esse caminho, da mesma forma que buscaram Cabo Frio quando vieram de destinos completamente diferentes.
O prefeito ressalta ainda que vai dar o benefício do auxílio-viagem para "todas as pessoas que buscarem a prefeitura para voltarem para seu lugar de origem ou buscar trabalho":
Vamos continuar acolhendo bem as pessoas, mas não vamos deixar que Cabo Frio se torne uma bagunça. Eu, no lugar do prefeito de Linhares, também ficaria chateado com essa situação, de ver chegar na minha cidade 12 pessoas que tem liberdade de ir e vir. A atitude do prefeito foi acolher, como nós fizemos, e ele mesmo diz que estaria encaminhando para suas origens. Inclusive, essas pessoas têm o direito de negar, de voltar para Cabo Frio ou ficar em Linhares.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Comunicação de Cabo Frio na manhã desta quinta-feira, 10, para obter mais esclarecimentos, mais ainda não recebeu resposta.
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