Artista de Nova Friburgo denuncia censura em exposição pelo Dia das Mulheres
Elis Pinto diz que foi obrigada a retirar obras que retratavam o corpo feminino em evento da Secretaria de Cultura nessa terça-feira, 8, na Estação Livre
A artista visual Elis Pinto afirma que sofreu censura durante uma mostra no evento “Vozes Femininas”, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, na última terça-feira, 8, em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres.
De acordo com a artista, logo após montar sua exposição na Estação Livre, onde o evento foi realizado, ela foi orientada a retirar as telas que continham representações de corpos femininos nus em alusão às estátuas gregas, sem conotação com sensualidade ou pornografia.
“Um funcionário da secretaria pediu para que eu retirasse as telas. Eu só obedeci a ordem, pois caso contrário o prefeito não apareceria no evento. Essa foi a justificativa", relata.
Obras fazem alusão às estátuas gregas, sem nenhuma conotação com sensualidade ou pornografia, segundo a artista | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Elis, que é formada pela Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, no Rio, e se apresenta como artista preta e feminista, explicou ainda que foi aconselhada a não fazer “barulho” diante da situação para não fechar portas.
Agora, eu estou usando a minha voz, pois lá eu fui calada. É uma situação chata porque, bem ou mal, o único meio que os artistas têm para conseguir financiamento e incentivo é por meio da Lei Aldir Blanc, cuja Secretaria de Cultura aprova ou não os projetos. Então, de certa forma, a gente fica na mão do governo.
A artista vive no distrito de São Pedro da Serra e diz que além de ter tido o trabalho censurado, gastou dinheiro, já que precisou completar o valor pago pelo transporte das telas até o centro da cidade e teve que contratar um ajudante para montar a exposição.
“O intrigante é que o projeto tinha sido aprovado previamente pela secretaria. Teve uma reunião prévia e as servidoras adoraram o meu trabalho”, diz.
Ainda segundo Elis Pinto, outros quadros, pertencentes à coleção "O que minhas ancestrais me dizem", foram mantidos no local.
“Existe uma censura aos corpos, principalmente à representação do corpo feminino quando é feito por uma mulher, pois quando é a indústria (de publicidade, por exemplo) usando nosso corpo, geralmente eles conseguem”, afirma.
Série Trópicos reúne pinturas sobre o feminino e ancestralidade | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Por fim, a artista visual diz que espera apenas receber pelo trabalho realizado e teme sofrer represálias.
"Espero que não compliquem a minha vida por causa desse episódio", finaliza Elis.
O Conselho Municipal de Cultura se manifestou nesta quinta-feira. Por meio de nota, condenou o cerceamento ao trabalho de Elis e disse tratar-se de dupla violência: à artista e às mulheres.
Tão violento quanto a censura imposta às obras é o silêncio cúmplice do secretário de Cultura que, até o momento, não se manifestou em defesa da artista ou para explicar os fatos.
Outra nota, divulgada nas redes sociais na noite de quarta-feira, 9, e assinada por um grupo de artistas de artes cênicas e entidades sindicais do município, repudiou o ocorrido. O texto diz que o ato foi arbitrário e contra a liberdade de expressão artística.
"Não podemos aceitar esse retrocesso a uma mentalidade retrógrada, em uma cidade onde existem pessoas de todos os credos, raças e posição social e ideológica", diz trecho da nota, que termina alertando que os governantes devem abraçar todas as diferenças sem julgamento prévio.
Sobre o evento
O "Vozes Femininas" foi organizado pela Secretaria Municipal de Cultura e teve o apoio de diversos parceiros privados.
Evento "Vozes Femininas" foi organizado pela Secretaria Municipal de Cultura | Foto: Reprodução/Portal Multiplix
Na divulgação oficial, a organização descreveu o evento como tendo o objetivo de "dar voz e enaltecer as artistas de Nova Friburgo, como uma forma de conhecer personalidades femininas com atuação na cidade e trazer inspiração e motivação para novas gerações de mulheres".
Resposta da prefeitura
A prefeitura da Nova Friburgo só se pronunciou sobre o assunto na sexta-feira, dia 11. Por meio de nota, o governo municipal informou que:
"O art. 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente confia ao Poder Público atribuição para regular 'as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada'. Considerando tanto o horário quanto o local de realização do evento, o Município de Nova Friburgo optou por retirar de exposição os quadros da artista, a fim de assegurar a adequação do evento à sua destinação a todas as faixas etárias, ou seja, de classificação livre. As imagens de nudez retratadas em algumas obras não se ajustavam à natureza do próprio evento realizado em local de amplo acesso à crianças e adolescentes e que também oferecia atividades infantis. O Estatuto da Criança e do Adolescente reforça que 'toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária."
A prefeitura disse ainda que, "seguindo com seu dever, não exibiu as obras, mas tal medida não pode ser equiparável à censura. A censura, expressão odiosa do autoritarismo político, sacrifica a liberdade de expressão com fundamento em um projeto arbitrário de poder. O município de Nova Friburgo jamais comungaria de tal espírito ou vontade".
Outro trecho da nota afirma que, "não há qualquer impedimento, inclusive, de que a artista exiba novamente suas obras em evento a ser realizado em outra oportunidade, com a devida indicação de faixa etária. O desenvolvimento da Cultura – inclusive o apoio e o incentivo aos artistas locais – se insere dentre as políticas públicas a serem implementadas pelo poder público".
Por fim, o município informa que reitera o seu compromisso com a liberdade de expressão, bem como para manifestar o seu repúdio a toda forma de preconceito:
A tolerância e a pluralidade político-social são valores prestigiados pela Constituição da República, os quais, por certo, também são observados e respeitados pela administração pública municipal.
Censura às artes no Brasil
A polêmica em relação ao impedimento à liberdade de expressão artística e cultural no Brasil tem sido frequente nos últimos anos em diversas partes do país.
Um caso emblemático foi a da exposição Queer Museu, em Porto Alegre, no ano de 2017, que foi fechada após acusações de grupos religiosos e conservadores.
A partir daí, mais de 60 outros casos vieram à tona, segundo o Dossiê Arte, Diversidade e Liberdade de Expressão, divulgado no ano passado pelo Observatório de Censura à Arte, criado justamente para monitorar esse tipo de situação.
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