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MULTIPLIX CONVIDA: Janaína Botelho - Ser criança no passado e no presente

Historiadora conta um pouco sobre a origem do Dia das Crianças e a relação da data com Nova Friburgo, por meio de seu criador Galdino do Valle Filho

Por Janaína Botelho
12/10/21 - 08:28
MULTIPLIX CONVIDA: Janaína Botelho - Ser criança no passado e no presente Foto mostra meninas operárias da Fábrica Ypu, em Nova Friburgo | Foto: Acervo/Janaína Botelho

No ano 1923 foi realizado na cidade do Rio de Janeiro, o 3º Congresso Sul-Americano da Criança. Possivelmente o deputado federal por Nova Friburgo, Galdino do Valle Filho, influenciado por esta discussão propôs no ano seguinte, através de um projeto, que fosse celebrado em 12 de outubro, o dia nacional dedicado à criança. O projeto foi aprovado pelo presidente Artur Bernardes por meio do decreto nº 4.867, de 5 de novembro de 1924. A escolha da data pode ter relação com o dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Há quem afirme que a eleição de um dia dedicado à criança tenha sido consequência da Primeira Guerra Mundial, que deixou milhares de crianças órfãs e abandonadas. Desde então o dia da criança é festejado em diversos países, em datas diferenciadas.

Galdino do Valle Filho é considerado o pai do Dia das CriançasGaldino do Valle Filho é considerado o pai do Dia das Crianças | Foto: Acervo/Fundação Dom João VI

Desde o final do século 19, de acordo com o periódico O Friburguense havia um enorme contingente de menores vagando pelas ruas da cidade. Não frequentavam as escolas sendo vistos pelas estradas, nas “tavernas da roça” proferindo obscenidades e já dando mostras dos maus costumes e inclinações perversas, segundo o periódico. Vagueavam pelas ruas e praças da cidade “como fazem os animais sem dono”, em estado de miséria, apesar de a maioria possuir família. Eram vistos aos bandos na estação aguardando a chegada do trem, a pretexto de carregarem as malas dos passageiros. Disputavam aos sopapos o serviço de levar as bagagens. Os mais audaciosos subiam nos carros ainda em movimento, um pouco antes da estação, para garantir o compromisso do passageiro, correndo o risco de serem esmagados ou mutilados. Profissionais do “jogo do pau” sabiam engatilhar uma arma de fogo trazendo ainda à cintura a indispensável faquinha. Era frequente a briga de gangues de menores armados com bengalas, varas de marmelo e canivetes. Nas escaramuças desafiavam-se entre si rolando sopapos, varadas, bofetões e empurrões.

O articulista sugere que se encaminhassem estes menores às oficinas, à lavoura ou em qualquer outra profissão honrosa do qual tirem os meios de subsistência. Crianças transformaram-se em objeto de um discurso que enaltecia tão somente o trabalho como uma forma de resgatá-los das ruas e consequentemente da criminalidade. Em meados da década de 1870, anúncios de estabelecimentos industriais solicitando crianças e adolescentes para trabalharem no setor têxtil começam a multiplicar-se na imprensa paulistana, nos informa Esmeralda Blanco de Moura no artigo “Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo”, no livro Histórias da Criança no Brasil. A indústria têxtil correspondia ao setor de maior absorção de mão-de-obra e grande parte dos trabalhadores que empregava era representada por crianças e adolescentes. Nas indústrias de São Paulo pequenos trabalhadores de oito, dez, onze, doze e treze anos eram empregados.

Crianças na Marcenaria SpinelliCrianças na Marcenaria Spinelli | Foto: Acervo/Família Spinelli

A partir de 1911 indústrias têxteis se instalam em Nova Friburgo. Era comum crianças serem empregadas nestas indústrias. As imagens das fábricas do município na primeira metade do século 20 comprovam o emprego de meninos e meninas. Marcenarias igualmente empregavam crianças e uma imagem da marcenaria Spinelli indica que provavelmente os meninos na foto eram empregados da empresa. Serventes de pedreiros e vendedores ambulantes eram outras atividades laborais que empregavam crianças. O articulista do jornal O Friburguense chamou a atenção sobre o excesso de peso dos tabuleiros de frutas e legumes que crianças transportavam pelas ruas como vendedores ambulantes, muito acima de suas forças. O artigo único do decreto de Galdino do Vale Filho que institui o dia da criança faz referência a “festa da criança”. Mas naquela ocasião a maior parte das crianças não tinha o que festejar. Entretanto a legislação trabalhista evoluiu e as crianças foram retiradas do trabalho podendo usufruir de sua infância, não obstante ainda hoje existir denúncias de trabalho infantil em algumas cidades do Brasil. Ainda que tenha sido instituído o dia da criança em 1924 levaram mais de três décadas para que fosse incorporado ao calendário nacional. Deve-se a lembrança deste decreto às empresas que vendiam produtos para crianças que usaram a data em campanha publicitária objetivando estimular os pais a presentearem os seus filhos. Felizmente nos últimos anos o dia tem sido utilizado pela mídia não somente para estimular o consumo, mas igualmente para chamar a atenção de abusos e violência praticados contra as crianças. Todos os anos nesta data comemorativa, os friburguenses se enchem de orgulho por ter sido o seu criador, Galdino do Valle Filho, um político da princesinha da serra.

Década de 1930.  Saída de operários da Fábrica Ypu, em Nova FriburgoDécada de 1930. Saída de operários da Fábrica Ypu, em Nova Friburgo | Foto: Acervo/Osmar Castro

Meninas na produção de uma fábrica em Nova FriburgoMeninas na produção de uma fábrica em Nova Friburgo | Foto: Acervo/Biblioteca Nacional

Capa do Diário Oficial da União com a criação do Dia das CriançasCapa do Diário Oficial da União com a criação do Dia das Crianças | Foto: Reprodução/Diário Oficial da União

Janaína Botelho
Janaína Botelho é professora das disciplinas de História Geral do Direito, História do Direito Brasileiro e História da Alimentação pela Universidade Candido Mendes, escritora e membro da Academia Friburguense de Letras (AFL).
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