MULTIPLIX CONVIDA: Janaína Botelho - Ser criança no passado e no presente
Historiadora conta um pouco sobre a origem do Dia das Crianças e a relação da data com Nova Friburgo, por meio de seu criador Galdino do Valle Filho
No ano 1923 foi realizado na cidade do Rio de Janeiro, o 3º Congresso Sul-Americano da Criança. Possivelmente o deputado federal por Nova Friburgo, Galdino do Valle Filho, influenciado por esta discussão propôs no ano seguinte, através de um projeto, que fosse celebrado em 12 de outubro, o dia nacional dedicado à criança. O projeto foi aprovado pelo presidente Artur Bernardes por meio do decreto nº 4.867, de 5 de novembro de 1924. A escolha da data pode ter relação com o dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Há quem afirme que a eleição de um dia dedicado à criança tenha sido consequência da Primeira Guerra Mundial, que deixou milhares de crianças órfãs e abandonadas. Desde então o dia da criança é festejado em diversos países, em datas diferenciadas.
Galdino do Valle Filho é considerado o pai do Dia das Crianças | Foto: Acervo/Fundação Dom João VI
Desde o final do século 19, de acordo com o periódico O Friburguense havia um enorme contingente de menores vagando pelas ruas da cidade. Não frequentavam as escolas sendo vistos pelas estradas, nas “tavernas da roça” proferindo obscenidades e já dando mostras dos maus costumes e inclinações perversas, segundo o periódico. Vagueavam pelas ruas e praças da cidade “como fazem os animais sem dono”, em estado de miséria, apesar de a maioria possuir família. Eram vistos aos bandos na estação aguardando a chegada do trem, a pretexto de carregarem as malas dos passageiros. Disputavam aos sopapos o serviço de levar as bagagens. Os mais audaciosos subiam nos carros ainda em movimento, um pouco antes da estação, para garantir o compromisso do passageiro, correndo o risco de serem esmagados ou mutilados. Profissionais do “jogo do pau” sabiam engatilhar uma arma de fogo trazendo ainda à cintura a indispensável faquinha. Era frequente a briga de gangues de menores armados com bengalas, varas de marmelo e canivetes. Nas escaramuças desafiavam-se entre si rolando sopapos, varadas, bofetões e empurrões.
O articulista sugere que se encaminhassem estes menores às oficinas, à lavoura ou em qualquer outra profissão honrosa do qual tirem os meios de subsistência. Crianças transformaram-se em objeto de um discurso que enaltecia tão somente o trabalho como uma forma de resgatá-los das ruas e consequentemente da criminalidade. Em meados da década de 1870, anúncios de estabelecimentos industriais solicitando crianças e adolescentes para trabalharem no setor têxtil começam a multiplicar-se na imprensa paulistana, nos informa Esmeralda Blanco de Moura no artigo “Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo”, no livro Histórias da Criança no Brasil. A indústria têxtil correspondia ao setor de maior absorção de mão-de-obra e grande parte dos trabalhadores que empregava era representada por crianças e adolescentes. Nas indústrias de São Paulo pequenos trabalhadores de oito, dez, onze, doze e treze anos eram empregados.
Crianças na Marcenaria Spinelli | Foto: Acervo/Família Spinelli
A partir de 1911 indústrias têxteis se instalam em Nova Friburgo. Era comum crianças serem empregadas nestas indústrias. As imagens das fábricas do município na primeira metade do século 20 comprovam o emprego de meninos e meninas. Marcenarias igualmente empregavam crianças e uma imagem da marcenaria Spinelli indica que provavelmente os meninos na foto eram empregados da empresa. Serventes de pedreiros e vendedores ambulantes eram outras atividades laborais que empregavam crianças. O articulista do jornal O Friburguense chamou a atenção sobre o excesso de peso dos tabuleiros de frutas e legumes que crianças transportavam pelas ruas como vendedores ambulantes, muito acima de suas forças. O artigo único do decreto de Galdino do Vale Filho que institui o dia da criança faz referência a “festa da criança”. Mas naquela ocasião a maior parte das crianças não tinha o que festejar. Entretanto a legislação trabalhista evoluiu e as crianças foram retiradas do trabalho podendo usufruir de sua infância, não obstante ainda hoje existir denúncias de trabalho infantil em algumas cidades do Brasil. Ainda que tenha sido instituído o dia da criança em 1924 levaram mais de três décadas para que fosse incorporado ao calendário nacional. Deve-se a lembrança deste decreto às empresas que vendiam produtos para crianças que usaram a data em campanha publicitária objetivando estimular os pais a presentearem os seus filhos. Felizmente nos últimos anos o dia tem sido utilizado pela mídia não somente para estimular o consumo, mas igualmente para chamar a atenção de abusos e violência praticados contra as crianças. Todos os anos nesta data comemorativa, os friburguenses se enchem de orgulho por ter sido o seu criador, Galdino do Valle Filho, um político da princesinha da serra.
Década de 1930. Saída de operários da Fábrica Ypu, em Nova Friburgo | Foto: Acervo/Osmar Castro
Meninas na produção de uma fábrica em Nova Friburgo | Foto: Acervo/Biblioteca Nacional
Capa do Diário Oficial da União com a criação do Dia das Crianças | Foto: Reprodução/Diário Oficial da União