Você sabe o que faz uma doula? Lei estadual pretende incluí-las nos serviços de saúde
Lei estadual foi aprovada na última terça-feira, 5, na Alerj, e segue para sanção do governador
Do grego, a palavra doula significa “mulher que serve”. E, atualmente, na área da saúde refere-se às mulheres que acompanham as gestantes, dando suporte emocional e orientações sobre todos os procedimentos relacionados à gravidez, antes, durante e após o parto. As doulas lutam, sobretudo, pela humanização do parto e pelo respeito ao protagonismo da mulher em um momento tão especial e marcante em sua vida – que é gestar e dar à luz a um novo ser.
Na última terça-feira, 5 de fevereiro, foi aprovado o Projeto de Lei estadual nº 4.274/18, do deputado Carlos Minc (PSB), para criação do programa "Toda mulher merece uma doula”, para implementar políticas de inclusão de doulas no serviço de Saúde do estado do Rio e articular entre órgãos municipais de Saúde.
Atendendo às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e às Diretrizes para Parto do Ministério de Saúde, o programa também prevê a capacitação dessas profissionais e a publicação de material informativo sobre a atenção multidisciplinar no ciclo gravídico-puerperal, que é considerado o período mais frágil da gravidez, por envolver transformações nos aspectos físicos, psíquicos e sociais durante a gestação, refletindo diretamente no estabelecimento do vínculo entre mãe e filho.
Segundo a médica obstetra, drª Ana Carolina Abi-Ramia, graduada em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que também atua em uma maternidade no Rio de Janeiro, a lei é válida. “Atualmente, a paciente que leva doula é a que tem capacidade de pagar pela assistência. E dentro do SUS seria uma forma de oferecer esse tipo de reforço no parto para que todos tenham o mesmo acesso. É uma forma também de profissionalizar, de verdade, a profissão, para que façam um curso preparatório e possam agregar junto ao médico”, diz.
A médica explica que é cientificamente comprovado que as doulas são extremamente importantes para o acompanhamento do parto. “Com atuação das doulas, houve uma diminuição da quantidade de anestesia, melhor satisfação com o parto, menor taxa de Cesária, demonstrando ser uma atuação fundamental no acompanhamento de uma paciente no trabalho de parto. O estudo ainda mostra que o resultado é melhor quando alguém que presta o suporte à gestante não é da família nem da equipe de assistência médica. E o ideal é que elas façam acompanhamento da gravidez até o parto.”, explica.
A médica pondera que o problema atual é que, assim como em todas as profissões, há bons e maus profissionais. “Quando a gente encontra uma doula que acredita de verdade no trabalho do médico e que está ali em prol da paciente, para que a mãe e bebê tenham um parto seguro, tudo flui da melhor maneira possível e o resultado é maravilhoso.”, diz.
A médica conta que no hospital onde trabalha muitas pacientes vêm com doulas que têm a ideia de que todo médico vai cometer uma violência obstétrica. “Partindo-se desse princípio, muitas pacientes preferem não confiar no médico que tem todo um estudo, e prefere confiar nas informações das doulas, que nem sempre têm a capacidade técnica de definir ali quais são as melhores opções e decisões mais sérias durante um trabalho de parto. Mas, o mais importante no final é mãe e bebê saudáveis e felizes.”, finaliza.
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Cesárea ou parto normal?
Muitos obstetras defendem a cesárea por acreditarem que o risco durante as complicações durante o trabalho de parto é menor, já que é acompanhado por uma grande equipe médica, com auxiliares, por ser menos doloroso do que o normal, pela utilização de sedativos e anestésicos, e pela chance de problemas no parto para o bebê serem menores, como falta de oxigenação, demora no trabalho de parto, e também porque o parto por cesariana pode ser agendado, dando mais tranquilidade às mulheres.
Segundo a obstetra Ana Carolina Abi-Ramia, quando se fala em parto humanizado, muitos imaginam uma mulher de cócoras, no escuro, com muita dor, ou de forma mais idealizada, um parto numa banheira, ou dentro da cachoeira, ou no meio do mato. Mas o parto humanizado veio para tentar diminuir a quantidade de cesarianas desnecessárias e a forma como a Obstetrícia vinha lidando com as gestantes como agente passivo durante o nascimento do bebê.
“Apesar de ser um procedimento amplamente utilizado, a cesariana apresenta uma série de riscos aumentados quando comparados ao parto normal, tais como: maior risco de infecção – não só pela ferida operatória, mas de planos mais profundos, como o útero; maior volume de sangramento; possibilidade de lesão com intestino e bexiga e complicação das cicatrizações. Para o bebê, chances de prematuridade e maior incidência de problemas respiratórios.”
No entanto, a orientação é que as mulheres devem conversar com seu médico sobre a via de parto, participando ativamente dessa decisão, e para isso elas precisam de esclarecimentos e se informar sobre os riscos e benefícios das duas formas, o que nem sempre acontece no pré-natal.
Doulas auxiliam em um parto mais humanizado | Foto: Banco de Imagem
Gestação com afeto
Flávia Ferreira, que engravidou em 2018, diz que, apesar de não ter tido parto normal, o trabalho da doula desmitificou todos os assombros em torno do parto humanizado e a empoderou enquanto mulher num momento difícil. “Venho de família onde parto normal é demonizado. Minha mãe e minha sogra diziam que eu ia morrer no parto se eu escolhesse o normal, que é muito sofrimento, e eu não tinha ninguém que pudesse indicar o parto normal. Então meu marido e eu resolvemos procurar uma doula. Ela foi um portal para entender o corpo humano, o quanto é natural ter um parto normal. Que o normal é normal e não é morte, como se cesariana fosse dar um pico na barriga e acabou.”, diz.
“Para mim, o trabalho da doula é essencial para uma mãe, porque a gente pode estar com família amigo, mas ninguém está tão acessível para você num servir de afeto, como a doula. Foi essencial porque me senti muito sozinha na gravidez, desde o momento em que eu estava pê da vida e quando estava muito bem. Se eu tiver segundo filho, vou querer uma doula.
Dayane Figueira diz que desde o início de sua gestação queria que seu parto fosse normal e que, com o passar dos mese,s a pressão por uma cesárea foi chegando, então ela resolveu procurar o apoio de uma doula.
“Conheci a doula Mica Borba quando estava no quinto mês de gestação. E me senti linda e radiante! Pedro nasceu de 38 semanas dando um susto na gente, pois jurávamos que ele esperaria até as 40 semanas pelo menos. Lembro sempre da voz dela ao fundo, durante o parto, me acalmando e me incentivando. Foram oito horas e meia e veio o Pedro, do jeito que sonhei: lindo, calmo e sereno.”
A importância de uma doula
Mica Borba, doula há cinco em Nova Friburgo, diz que toda mulher deve ter direito a acesso à informação e apoio contínuo, durante a gestação, parto e puerpério – que é período que decorre desde o parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher voltem às condições anteriores à gestação, dando suporte físico e emocional e oferecendo informação de qualidade.
“Toda mulher deve ter o direito ao acesso à informação e apoio contínuo baseado em evidências durante o ciclo gravídico-puerperal a fim de tornar a experiência deste período mais positiva. Toda mulher merecer uma doula não significa que todas devam optar por te uma.”
Ela esclarece que a doula não realiza qualquer procedimento médico e não atende parto na posição de responsável técnico.
“Durante o período de gestação, a doula dá suporte contínuo e informação, buscando sanar dúvidas e temores em relação ao período gestacional, ao parto e à amamentação. Durante o parto oferece apoio físico e emocional enquanto a equipe médica se preocupa com a parte técnica do parto: a saúde da mãe e do bebê. No puerpério, a doula auxilia nas questões básicas de amamentação, autocuidado, cuidados e rotinas com o bebê.”, explica.
Além de informação, as doulas garantem o cuidado com o bem estar emocional da parturiente durante o parto, que no ambiente hospitalar pode provocar o medo, a dor e a ansiedade da mulher e consequentemente podendo vir a aumentar as complicações obstétricas e necessidade de maiores intervenções.
Mica diz que atualmente não há qualquer política pública que ampare o trabalho das doulas no município.
“Nossa maternidade pública sequer respeita a lei estadual das doulas (Nº 7314/2017), que garante às parturientes a presença da doula além do acompanhante no pré-parto, parto e pós-parto.”, afirma.