A mentalidade média
A sensação que se tem, com a profusão das redes sociais e das mídias, em geral, é que nunca se pensou tanto quanto atualmente. E que nunca se leu e se estudou tanto também. Afinal, o que mais há é opinião sobre tudo em todo tempo. Suspeito, entretanto, que isso tenha mais a ver com uma necessidade de pertencimento do que propriamente com o esforço para compreender a dinâmica da sociedade e colaborar na sua melhoria.
A necessidade de pertencimento faz com que mergulhemos no universo de reflexões já prontas e as assumamos como nossas. Faz com que nos identifiquemos com um conjunto de valores e de ideias que congregam os indivíduos em grupos. Se, no passado, as confrarias e irmandades exigiam ritos de passagem e sinais visíveis do ingresso dos neófitos, as redes sociais demandam que determinados discursos sejam reproduzidos como símbolo da adesão de um sujeito a um grupo maior. Isso vale para religião, política e todos os temas sociais.
Sem perceber, nós nos tornamos meros reprodutores de ideias preconcebidas. É o que denomino aqui de mentalidade média.
A mentalidade média é uma espécie de cama sobre a qual nos deitamos. É um conforto e uma necessidade. Além de nos amparar, nos dá o sossego de não pensar o tempo todo. É aquele conjunto de ideias que repetimos inadvertidamente. É uma espécie de terceirização do pensamento e da reflexão. É uma comodidade repetir o pensamento que já está pronto.
É claro que ninguém pensa a partir do zero. Há sempre pontos de partida. Referenciais a partir dos quais nos movemos. Bases teóricas, filosóficas, metodológicas e ideológicas. Isso, todavia, não significa reproduzir inadvertidamente ideias já prontas.
A mentalidade média, diferentemente, é a massa amorfa de ideias que povoam o imaginário da sociedade. É uma espécie de verdade universal pronta e acabada. É uma caixa de ressonância das notícias e dos memes aos quais somos submetidos diariamente. É, por óbvio, espontaneamente conservadora. Não se ocupa de refletir criticamente sobre a realidade. Tampouco intenta modificá-la. É apenas o lugar em que a razão se encontra com a preguiça.
A tendência, hoje e sempre, é que a mentalidade média domine o mundo. Domine discursos, ações e reflexões que patinam em torno de si mesmos. Há uma natural inclinação para o pensamento estático. Sem trabalho. Sem reflexão. Verdade pronta e acabada. Além de dar tranquilidade, ajuda na sensação de segurança e de eficácia.
Muito do êxito da mentalidade média tem a ver com a propaganda insistente sobre as crises. Sim, há crises sempre na ordem do dia. Mas, hoje, mais do que nunca, a ideia de crise se tornou um gatilho para a difusão de toda sorte de ação política, econômica, religiosa e social. Em nome do perigo da crise, tudo (ou quase tudo) se justifica. O discurso da crise se articula pelo medo.
Por isso, diante do precipício que a crise alardeia, quando o movimento natural tende a ser a paralisia, é próprio da mentalidade média, que ajuda a disseminar a ideia do caos, plantar as alternativas de solução da crise por meio do caminho fácil e das saídas simples. A propaganda da crise cria cansaço e esgotamento. A mentalidade média promove o conforto das saídas simplórias e heroicas.
Quem tem soluções simples tende a prevalecer. Afinal, uma máxima da mentalidade média é que para problemas complexos as soluções devem ser necessariamente simples. Não é uma questão de limitação da inteligência, mas de anestesia diante do caos.
Por isso, combater a mentalidade média - esse lugar de preguiça e ingenuidade - é fundamental. Mas mais importante ainda é descortinar quem alardeia o caos; isso é estratégico para saber quem sai ganhando (e o que ganha) com essa letargia racional que domina a mentalidade média. O medo é uma arma poderosa para que se justifique toda sorte de arbitrariedades. E a mentalidade média é a anestesia necessária à sua aceitação.
Hoje, urgentemente, o que temos como imperioso é pensar. E cuidar para que as ideias que julgamos pensar não sejam apenas a reprodução de discursos enlatados que nos fazem engolir sem qualquer senso crítico. Parece óbvio, mas esse é nosso desafio: pensar os próprios pensamentos.
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