O Brasil na encruzilhada da História
O cenário nacional está polarizado. Do ponto de vista da política e dos costumes, o Brasil caminha entre extremos. Por aqui, porém, nesse momento, a tal polarização não obedece a lógica do “ou tudo, ou nada”, não há referenciais muito claros e bem definidos. Há uma zona cinzenta entre os polos, onde bandeiras se confundem e pessoas se perdem. Há, apenas, uma disputa de poder e de discursos.
Essa confusão, por paradoxal que pareça, cria um estado de anomia e de apatia. De um lado, a sensação de que não há marcadores seguros para orientar a vida, de outro o sentimento de que não vale a pena se entregar a uma reflexão e a uma prática efetivamente transformadoras.
Por aqui, a polarização segrega as pessoas em tribos antagônicas, mas não gera, mesmo entre os da mesma tribo, um espírito de solidariedade pública que as una em torno e em prol de determinados ideais. Direita e esquerda, liberais e conservadores, além de terem perdido suas definições clássicas, atendem muito mais a uma rotulação do que propriamente a uma visão de mundo propositiva para a sociedade.
É como se pudesse dizer que, infelizmente, nossa polarização é muito mais ético-espiritual e menos ideológico-programática. Em outras palavras, mesmo sem ter horizontes de pensamento e ação claros, optamos, ainda que inconscientemente, por nos dividirmos em facções de mútua agressão (potencializada pelas redes sociais).
Os lampejos mínimos e excepcionais de competência no governo não se comparam nem ao que já tivemos de pior na história recente do país; os atos de resistência, por seu turno, nem de longe se equivalem mesmo a pior oposição que os últimos mandatários já experimentaram. Há uma lacuna abissal no poder constituído. Embora seja possível que seja essa, a crise permanente, a estratégia atual de poder, há aberta uma avenida de possibilidades para novos aproveitadores.
O país, mais uma vez, abandonou ao último plano o mais cruel e fundamental de seus problemas. A absoluta e absurda desigualdade econômica e social. Já se foi mais de um século e ainda patinamos na herança maldita da escravidão e sua abolição fajuta. Não conseguimos, como sociedade, superar honestamente essa chaga. Somos, ainda hoje, e reproduzimos, no cotidiano da vida particular e pública, a mesma lógica racista e segregacionista da nossa história colonial.
É como se o passado se mantivesse vivo, atuante e determinante na realidade brasileira. A imoral acumulação de riquezas e oportunidades nas mãos da ínfima minoria da população e a cruel situação de abandono das massas são o retrato mais fidedigno de nossa situação.
Por outro lado, abandonamos também e sequer nos ocupamos seriamente com os desafios tecnológicos e éticos do século XXI. Enquanto o mundo dito desenvolvido trata de tecnologia, inteligência artificial, algoritmos e era pós-industrial, nós ainda atolamos num país sem planejamento econômico de longo prazo, sem defesa das riquezas nacionais e sem garantia de direitos fundamentais elementares do cidadão. A sensação é que o Brasil optou por discutir e se ocupar com o secundário e por deixar de lado o fundamental.
A polarização é, por um lado, fruto da incapacidade de compreender o momento conturbado e crítico que experimentamos e, de outro, da inaptidão para enfrentá-lo e, na medida do que é necessário, transformá-lo. Isso é verdade para o cidadão comum que se deixa encantar (ou desesperar) pelos ruídos de uma crise cotidiana; mas é, também, estratégia de manutenção de poder daqueles que se beneficiam do caos. A crise é, de uma só vez, causa e consequência. Resulta dos conflitos do presente e da incapacidade de compreende-los; e é a semente cuidadosamente plantada para gerar o sentimento de desesperança. A melhor forma de manutenção do poder é desencantar a sociedade em relação à política. O discurso de combate à corrupção, por exemplo, atende exatamente a esse propósito.
Por isso tudo, é indispensável a recriação de uma educação que faça jus ao nome. Um ideário de civilização e um conjunto de práticas que inspirem os indivíduos, que desalojem as mentes e inquietem os corações. Algo que seja, a um só tempo, consciente, crítico, criativo e colaborativo. Que seja capaz de analisar a realidade e questioná-la, e que seja, coletivamente, capaz de indicar caminhos de superação.
Embora seja clichê, a única saída para uma sociedade na encruzilhada da história em que estamos é a educação. A única ferramenta capaz de, a um só tempo, ressignificar seu passado e reconstruir seu futuro.
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