Sobre a reforma da Previdência
Toda sociedade é plural. E quanto mais pluralidade há, melhor. Diversidade nas ideias, nas práticas e nas gerações. Idosos, jovens e crianças partilham o tempo e o espaço exatamente para que a pluralidade de culturas, valores e ideais se encontrem e vivam sua tensão e sua comunhão.
Desde que se tem vestígio de civilização, há notícia do lugar e do valor dos mais velhos na configuração das tribos e nações. Cuidar dos mais velhos é tão caro à maioria das sociedades como é a atenção para com os mais novos. A experiência dos idosos e o reconhecimento deles é parte indispensável de toda sociedade que se deseja coesa, equilibrada e, acima de tudo, justa.
Além disso, uma sociedade que respeita e preserva a dignidade dos mais velhos é visivelmente mais inteligente e, como tal, mais bem-sucedida a longo prazo. Cria um sentimento pessoal de que o futuro é promissor e um tempo no qual se deva depositar esperança. Uma nação que resguarda direitos dos mais experientes inibe o aparecimento do sentimento de desprezo e falta de expectativas dos mais jovens. Alimentar a esperança é o combustível de qualquer grupo bem-sucedido.
Por isso, a questão da reforma da Previdência é tão importante. Se, de um lado, há questões econômicas que precisam ser pensadas cientificamente, por outro, há o dado humano que não pode ser desconsiderado. Economia e política devem estar à serviço da humanidade, e não o contrário.
Se é verdade que há sim que se pensar no equilíbrio da equação entre contas públicas deficitária, expectativa de vida aumentando e contribuições previdenciárias insuficientes, há também que se corrigir os desvios e equívocos que há nessa conta toda, começando pelos privilegiados e intocáveis de sempre. O Brasil é um país de desigualdades abissais e cada vez mais profundas. Há setores que sempre se beneficiam enquanto a esmagadora maioria dos trabalhadores definha em relações radicalmente desiguais. Nessas questões, parece não haver interesse em tocar.
Uma previdência social justa deve se fundamentar no sentido de solidariedade social. Na lógica de que as gerações compartilham espaço e tempo históricos e, como tais, devem harmonizar suas contas de modo que os mais abastados (em termos de dinheiro, saúde, força e tempo) cooperem com os mais fragilizados.
Não necessariamente quem apoia a reforma que aí está pensa em beneficiar bancos e seus banqueiros. Claro que não. Mas cultiva um sentimento de justiça baseado apenas na ideia de equidade. Porém, acreditar na dinâmica do “cada um por si” é, além de pouco eficiente, a mais absurda contradição. Afinal, optamos evolutivamente pela vida em sociedade exatamente para conseguirmos unir forças e dividir fraquezas. As sociedades existem para compensar as diferenças. Por isso, inventamos a política e suas tecnologias.
Talvez o melhor critério para a reforma da Previdência não seja o cálculo matemático, mas o valor humanístico. O crivo deve ser o lugar e o modo como eu desejo viver na minha velhice; e esse lugar e esse modo devem iluminar meu posicionamento sobre os demais.
Talvez seja a hora de reposicionarmos os mais vulneráveis à nossa frente e assumirmos os seus riscos como sendo os nossos também. O futuro seguramente nos mostrará que terá valido a pena.
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