Meio caminho
"Filho de peixe, peixinho é." (Ditado popular)
É bem verdade que o talento, em certas ocasiões, parece estar no sangue, mas muitas vezes fico surpreso ao descobrir laços familiares inesperados por aí. De fato, é o tipo de coisa que acontece o tempo todo e há muito tempo, mas chega um ponto em que o nepotismo consegue ofender o esforço daqueles meros mortais que buscam um lugar ao sol. "Assim fica fácil!", alguém pode comentar, sem um pingo de vergonha ou remorso. Quem nunca?
Essa crônica surgiu no exato momento em que descobri, boquiaberto, que Nicolas Cage, conhecido por filmes como "A Lenda do Tesouro Perdido", "A Rocha", entre muitos outros, é sobrinho de ninguém menos que Francis Ford Coppola. Puta que pariu! Do Coppola? O cara pode até ter talento, mas convenhamos, com uma conexão dessas já é meio caminho andado.
Sereníssimo leitor, o termo contemporâneo para isso é "nepo baby" e a atriz Maya Hawke, filha de Ethan Hawke e Uma Thurman disse em entrevista que não se sente nem um pouco ofendida com o rótulo. Aliás, muito provavelmente nem Emma Roberts, que é filha do ator Eric Roberts e sobrinha de Julia Roberts. Tampouco Angelina Jolie, filha de Jon Voight; Kiefer Sutherland, filho de Donald Sutherland; Michael Douglas, filho de Kirk Douglas; Emilio Estevez, filho de Martin Sheen (e irmão de Charlie Sheen); ou Gwyneth Paltrow, filha do diretor Bruce Paltrow e da atriz Blythe Danner.
No meu tempo a gente chamava isso de Q.I. (Quem Indica), e se você pensa que esse tipo de coisa acontece somente no cinema, está redondamente enganado, cara pálida. O escritor Alexandre Dumas Pai é, obviamente, pai de Alexandre Dumas Filho. Érico Veríssimo é pai de Luis Fernando Veríssimo; Carlos Drummond de Andrade é pai de Maria Julieta Drummond de Andrade; Mario Prata é pai de Antonio Prata; e Carlos Nejar é pai de Fabrício Carpinejar. Stephen King é pai dos autores Joe Hill e Owen Hill. Ora, rapá.
Algumas dessas relações na música são mais claras, ou pelo nome artístico, ou porque desde sempre foram públicas. É o caso de Luiza Possi, Sandy e Junior, Wanessa Camargo, Mart’nália, Maria Rita e Gonzaguinha. Mas tem também o Sidney Magal, que é primo de Vinicius de Moraes (que aliás era pai da atriz e cineasta Susana de Moraes – que era esposa da Adriana Calcanhoto) e o Ed Mota, que é sobrinho do Tim Maia.
E na política? Ah, meu caro senhor, na política, então… é uma festa! Clarissa Garotinho é filha do ex-governador Anthony Garotinho; Bruno Covas é neto do ex-governador Mário Covas; Zeca Dirceu é filho do ex-deputado José Dirceu; e Marco Antônio Cabral é filho do ex-governador Sérgio Cabral. Paulo Azevedo era sobrinho do ex-prefeito Amâncio Mário de Azevedo; Heródoto Bento de Mello era irmão do ex-prefeito Ariosto Bento de Mello; e Glauber Braga é filho da ex-prefeita Saudade Braga.
Quer saber do que mais? Uma crônica é pouco para o assunto; dava até para escrever um romance com o mote. Entretanto, o leitor há de convir que embora a censura seja perfeitamente compreensível do ponto de vista sociológico nestes casos, se o ramo for bom, é de se esperar que um sujeito (no mínimo) incentive o parente, quanto mais usar seu conhecimento e relações para proporcionar um apoio ainda maior. Isso é claro e evidente. Para aqueles que não tiveram padrinho ou coisa que o valha: o talento é prata e a determinação é ouro. Pense nisso como andar de bicicleta: ainda que o camarada tenha um impulso inicial, se não souber pedalar, a energia se esgota rapidamente e a jornada chega ao fim antes mesmo de começar. Bicicleta para um lado, moleque para o outro. Por isso, caia, levante-se, rale os joelhos, mas busque sempre ser o melhor em tudo que fizer.
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