Dia de Cosme e Damião movimenta comércio, reforça a fé e mantém acesa a tradição

É uma tradição antiga no Brasil: todo dia 27 de setembro a cena se repete. Meninas e meninos de todas as idades, dos mais novinhos aos mais próximos da adolescência, se misturam pelas ruas em busca de um mesmo propósito, pegar o maior número de sacolinhas de doces.

Maria-mole, suspiro, pé de moleque, doce de abóbora, bala e outras guloseimas fazem a alegria da garotada e dos comerciantes também, já que, nesta época do ano, o faturamento cresce com a venda desses doces.

Em uma loja no centro de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, as vendas superaram as expectativas em torno de 20% a 30%, segundo o proprietário, Rodrigo Borges. Ele diz que já é o quarto ano que trabalha com vendas temáticas e que, desta vez, as vendas relacionadas a São Cosme e Damião foram além do esperado.

A gente está vindo de um período em que as vendas ficaram fracas no período de pandemia e este ano a data surpreendeu a gente positivamente. Estamos com bastante procura e acredito que permaneça assim até o Dia das Crianças.

As vendas nesta loja superaram as expectativas em relação aos últimos dois anos | Foto: Reprodução/Portal Multiplix

Esta outra loja, também no centro da cidade, vive o mesmo cenário e só tem motivos pra comemorar. A gerente Inaiara Cardinot diz que a procura pelos tradicionais doces está acima do que o esperado.

No fim de semana, tivemos um fluxo maior de pessoas em busca de doces para compor as sacolinhas. Encaramos de forma muito positiva, já que na época da Covid a gente teve uma queda.

Doces típicos das sacolinhas de Cosme e Damião estão em alta | Foto: Reprodução/Portal Multiplix

A história de um devoto

O fotógrafo Jorge Zeferino é devoto de São Cosme e Damião e, há dez anos, fez uma promessa para conseguir parar de fumar.

O pedido foi atendido e, desde então, ele entrega cerca de 200 a 300 sacolinhas de doces nas ruas.

Para ele, nenhum motivo o fará abrir mão do tradicional hábito, que também fez parte da vida dos pais.

A tradição é linda, mas tá cada vez mais difícil, pois, por conta das religiões e do preconceito religioso, cada vez menos crianças pegam os doces. Ano passado inclusive, fiz os saquinhos transparentes, agora voltei aos que trazem as imagens dos santos.

Fé e tradição se misturam para o fotógrafo Jorge Zeferino, que há 10 anos entrega sacolinhas de doces a crianças | Foto: Jorge Zeferino/Arquivo pessoal

Popularidade dos santos

Cosme e Damião foram irmãos gêmeos, médicos, que cuidavam de muitas crianças. Suas histórias foram retratadas também por meio da arte.

Segundo o padre Aurecir Martins de Melo Junior, assessor diocesano da Pastoral da Comunicação, os santos passaram a vida auxiliando os necessitados no exercício da medicina, inclusive na distribuição de medicamentos e elementos necessários para uma melhor condição de vida.

Eles viveram no Oriente e, ao se converterem ao cristianismo, passaram também a ser missionários. A partir de então, no exercício da profissão, uniram a ciência à confiança, levando saúde para corpo e alma.

No Brasil, os santos católicos passaram pelo fenômeno conhecido como sincretismo religioso, em que os cultos de matrizes africana os relacionaram aos Orixás Ibejis.

A festa de Ibeji no Candomblé ganhou muita popularidade e, com o passar dos anos, o país abraçou a data dos cultos africanos, que é o dia 27 de setembro. Ao invés da data católica, celebrada no dia anterior, dia 26 de setembro.

O ato de distribuir doces no dia 27 é uma tradição oriunda do Candomblé. A tradição foi passada de geração em geração e, com o passar do tempo, muitos católicos e umbandistas viram a entrega de doces como um ato de fé.

Cosme, Damião e Doum

São Cosme, São Damião e Doum | Foto: Reprodução/Portal Multiplix

O sacerdote umbandista do ritual Banto-Ameríndio, Wellington de Oxóssi, do Centro Espírita Filhos de Oxóssi, em Nova Friburgo, explica que nas religiões de origem afro, ainda é cultuado mais um santo, que aparece como uma terceira figura entre São Cosme e Damião: Doum.

Doum é tido nos cultos afro-brasileiro como o irmão menor de São Cosme e Damião. Porém, o que reza a lenda é que a existência desse personagem surgiu no meio religioso devido a popularidade de uma casa que vendia artigos religiosos muito conhecida no passado aqui no Brasil.

A imagem de Cosme teria quebrado, ficando apenas a do outro irmão, Damião. O dono da loja resolveu colocar outra menor no meio das imagens de Cosme e Damião, que enfeitavam a sua loja.

Toda vez que alguém perguntava o motivo pelo qual o santo menor estava entre os dois, ele brincava respondendo que era 'dois-um'.

Para entender melhor, Cosme e Damião era conhecido carinhosamente como ‘Dois Dois’. Muitos pontos cantados (cantos da religião) se referem aos santos gêmeos de dois dois, por isso, o comerciante brincava chamando de ‘dois um’ por conta da figura menor entre eles. Com o passar do tempo, as palavras ‘dois um’ se contraiu e deu origem a Doum.

Combate à intolerância

A tradição de distribuir doces em sacolinhas perdura através dos anos | Foto: Reprodução/Portal Multiplix

Segundo o sacerdote umbandista, a mensagem principal que o Dia de São Cosme e Damião passa é de alegria, amor e pureza para os corações do povo, diante de tantas mazelas.

Ele acrescenta que nenhum devoto entrega doces pedindo mal a alguém:

Ainda é e sempre será um gesto de carinho e amor para a comunidade, dar um doce e alegrar a vida de crianças que, às vezes, nem possuem o que comer direito dentro de casa. Devemos lembrar do que disse o mestre Jesus: 'Bem-aventurados os de coração puro, pois verão a Deus' (Mateus, cap. 5, vers. 8).

Wellington lembra ainda outra passagem da bíblia que traduz o sentimento para este dia:

'Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no reino dos Céus' (Mateus, cap. 18, vers. 3). Sendo assim, desejamos que os cristãos dessa geração lembrem-se dessas palavras do mestre e não disseminem o preconceito entre as crianças.

Ele finaliza lembrando que muitos dos adultos de hoje foram crianças ontem e eram felizes comendo doces nesse dia e brincando com seus coleguinhas.

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