Preços de geladeiras, fogões e máquinas de lavar assustam consumidores
Itens da chamada linha branca acumulam aumento de 25% nos últimos doze meses, mais que o dobro da inflação geral, segundo o IBGE
Depois de dezoito anos lavando a roupa na casa do professor Felipe Ferreira, em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, a máquina de lavar da família, de uma hora para outra, parou de funcionar. Ele até tentou consertar o eletrodoméstico, mas o valor alto do serviço e a falta de garantia fizeram ele optar pela compra de um produto novo.
Mas, após pesquisar modelos e preços na internet e em lojas físicas, veio o susto: o preço de uma lavadora nova também estava nas alturas. Sem saída e com as pilhas de roupas aumentando de tamanho, Felipe acabou comprando uma máquina de lavar do mostruário da loja, garantindo um bom desconto.
“Eu achei muito mais caro do que eu esperava. Não fiquei procurando um aparelho que tivesse diversos recursos. Optei por um básico que me atendesse, por conta justamente do valor. Porque, no cenário que nós estamos, qualquer coisa extra no orçamento já significa um perigo”, avalia.
Refrigeradores são os itens de linha branca que mais aumentaram desde o ano passado | Foto: Reprodução/Portal Multiplix
A aposentada Simone Mendes passou por um susto parecido, mas com refrigeradores. Ela colocou duas geladeiras antigas pequenas à venda, com o objetivo de comprar uma nova de tamanho maior. Porém, o plano foi por água abaixo quando ela se deparou com os valores cobrados nas lojas.
“Vendi uma (geladeira) por R$ 250, mas acabei não vendendo a outra, porque as mais simples, das grandes estão na faixa dos R$ 2.200 ou mais. Está difícil achar por menos. Então, por enquanto não deu (para comprar). Fogão é a mesma coisa, encareceu bastante. Tudo na faixa de R$ 1.600 a R$ 1.700”, afirma.
Alta nos preços da linha branca é o dobro da inflação
A constatação do Felipe e da Simone de que esses valores estão muito altos foi confirmada pelo último Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no começo de maio.
Nos últimos 12 meses até abril deste ano, eletrodomésticos acumularam alta de 23,5% no preço, bem acima da inflação geral, que foi de 12,1%. No caso de geladeiras, máquinas de lavar e fogões, principais itens da linha branca, o aumento médio, no mesmo período, foi de 25,2%, segundo o IPCA.
E esse não é um fenômeno que esteja muito próximo do fim. O índice do IBGE aponta que quase metade do reajuste acumulado dos eletrodomésticos aconteceu só nos primeiros quatro meses deste ano, quando subiram 9,9%, mais do que o dobro da inflação geral do país no mesmo período, que foi de 4,29%.
Inflação dos eletrodomésticos em 12 meses
- Média geral: + 23,5%
- Refrigerador: + 29%
- Máquina de lavar: + 22,5%
- Fogão: + 24%
Fonte: IBGE
Inflação dos eletrodomésticos desde janeiro
- Média geral: + 9,9%
- Refrigerador: + 12%
- Máquina de lavar: + 9,3%
- Fogão: + 9,2%
Fonte: IBGE
Porém, essa alta nos preços desses produtos começou bem antes, como ressalta o economista Matheus Peçanha, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV): “A maioria da linha branca está acumulando 24 meses de aumento”, diz.
Motivos por trás dos aumentos dos preços
Mas, afinal, o que explica essa inflação que parece não ter fim?
Por trás do fenômeno, segundo Matheus, estão uma série de fatores internacionais e nacionais. Alguns tiveram início no primeiro ano da pandemia, como a escassez de semicondutores – peças fundamentais na indústria eletrônica – no mercado, e a falta e encarecimento de matérias-primas básicas como o minério de ferro, essencial para a fabricação do aço.
Ainda de acordo com o economista, a desvalorização do Real nos últimos anos também aumentou o custo para a importação de diversos insumos utilizados na fabricação dos produtos de linha branca. Além, é claro, de ter provocado forte reajuste no preço dos combustíveis, diante da política de preços adotada pela Petrobras, o que encareceu o valor do frete de forma generalizada.
Falta de insumos, alto no preço das matérias-primas, Real desvalorizado e guerra na Ucrânia estão entre os fatores por trás da inflação da linha branca | Foto: Reprodução/Portal Multiplix
“Para 2022, há uma inércia inflacionária, ou seja, um efeito cascata da inflação. É um efeito em cadeia”, explica Matheus, que ressalta ainda que o aumento dos juros pelo Banco Central, que recentemente chegaram a 12,75% ao ano – maior nível desde 2017 –, dificultam a vida do consumidor.
“As condições de consumo estão piores por conta do aumento do juro, que penaliza o consumo de longo prazo, pois geralmente as pessoas precisam financiar ou abrir um crediário, e é algo totalmente impactado pelos juros”, avalia.
Quem pode, paga à vista
O gerente de uma loja de uma grande rede varejista, localizada no Centro de Nova Friburgo, percebe na prática a avaliação do economista. De acordo com Yan Santiago, o cartão de crédito ainda permanece como a opção mais utilizada pelos consumidores, respondendo por cerca de 60% das compras. Porém, ele esclarece que há uma preferência pelo pagamento à vista.
“No cartão de crédito, não são todos os produtos parcelados sem juros, então o consumidor que pode está preferindo comprar à vista, que gira em torno de 10% das nossas vendas, para se livrar dos juros’”, relata.
Para Yan, os aumentos são tantos que o consumidor já nem se surpreende tanto. “Os reajustes não são uma exclusividade da nossa loja, mas uma constante do mercado inteiro. Eu já vejo no consumidor uma postura de costume. Ele tem uma reação de espanto, mas assimila como uma realidade. É algo cruel de se viver”, desabafa.
O que dizem os fabricantes
Em nota ao Portal Multiplix, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) declarou que vem acompanhado com preocupação o aumento nos custos dos insumos, entre eles o aço, em um contexto que se tornou mais sensível ao longo da pandemia e se tornou crônico, segundo a entidade, com a deterioração do cenário macroeconômico impactado, mais recentemente, pela Guerra na Ucrânia.
“A indústria de eletroeletrônicos e eletrodomésticos tem se esforçado ao máximo para absorver, dentro do que nos é viável, a manutenção da operacionalidade de nossas empresas e procurado evitar repasses aos preços de nossos produtos na medida do possível. Apesar de todo esse empenho, vivemos um momento desfavorável permeado por custos excessivos e vendas estagnadas”, diz a Eletros.
Quando os preços devem parar de subir
A boa notícia para o consumidor é que a pior fase da inflação do segmento de produtos de linha branca pode já ter passado, segundo o economista Matheus Peçanha. A má notícia é que ela só deve dar uma trégua para valer a partir do ano que vem.
“Todos os fundamentos indicam que essa inflação deve dar uma estagnada. Na linha de produção, os problemas já estão praticamente sanados. O minério de ferro já não tem mais tanta oscilação (no preço). O desafio é superar essa inércia inflacionária, e isso é um ponto de pressão ainda”, explica.
Mesmo que a inflação desacelere, preços não devem voltar ao patamar pré-pandemia, segundo economista | Foto: Reprodução/Portal Multiplix
Mas se engana quem pensa que vai poder voltar a pagar o que um fogão custava há dois anos, por exemplo: “O preço anterior dificilmente volta. Dificilmente a gente vai ter uma deflação, porque nesses itens de longo prazo, os aumentos costumam se incorporar”, projeta.
A recomendação para o consumidor é aguardar enquanto pode para comprar ou dar preferência por versões mais antigas dos produtos, que aí sim costumam ter valores mais baratos.
“O cidadão está com o poder de compra menor em duas frentes: o salário real está mais baixo, por conta dos aumentos de preço, e os juros dificultam as compras. Então, a boa estratégia agora é fazer o consumo de modelos mais antigos dos produtos de linha branca, que são mais baratos, ou esperar esses preços se estabilizarem. Isso, claro, se não for um consumo urgente”, finaliza.
Veja outras notícias das Regiões Serrana e dos Lagos do Rio no Portal Multiplix.