Cinema e meio ambiente: irmãos e designers de Lumiar são personagens do novo filme 'Biocêntricos'
Friburguenses premiados internacionalmente mostram que se inspirar na natureza pode ser a solução para muitos problemas mundiais
Você sabe o que tem em comum entre o velcro, o trem-bala japonês e o maiô de um nadador profissional? Pode parecer surpreendente, mas todos eles são invenções desenvolvidas a partir de exemplos da natureza.
A metodologia, conhecida como ‘Biomimética’ é o tema central de um filme que tem estreia nacional marcada para esta quinta-feira, dia 16 de março, nas salas de cinema.
‘Biocêntricos’ é um documentário dirigido por dois brasileiros, Fernanda Heinz Figueiredo e Ataliba Benaim, e narrado pela bióloga e escritora americana Janine Benyus.
O filme conta nove histórias de profissionais que se inspiraram em plantas e animais para criar produtos.
Com filmagens no Brasil, nos Estados Unidos, no Japão e na Costa Rica, o longa mostra como a bióloga e ativista Janine Benyus influencia a obra de ecologistas, arquitetos, designers, químicos, engenheiros e biólogos com a criação da Biomimética – processo de inovação científica que busca a inspiração na natureza para solucionar os problemas da humanidade contemporânea.
Os irmãos e designers Pedro e Bruno Rutman, moradores do distrito de Lumiar, em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, são alguns dos personagens.
Bruno, o mais velho, fala sobre a importância desse tema ambiental:
Estamos num momento que o ser humano já testou muito a maneira antropocêntrica. Agora é uma era biocêntrica, onde a natureza está no centro. Passamos a olhar a natureza incluindo a gente dentro dela.
O 'nucleário' aumenta a taxa de sobrevivência de mudas de árvores | Foto: Acervo/Nucleário
Pedro e Bruno desenvolveram o ‘nucleário’, um produto inovador para aumentar a taxa de sobrevivência de mudas de árvores. O exemplo que eles seguiram para criar o dispositivo foi o das bromélias.
As bromélias possuem um sistema de acúmulo de água e atração de biodiversidade que foi estudado pelos irmãos e foi reproduzido no produto nucleário, feito com material plástico resistente a intempéries e reutilizável.
O resultado foi uma série de prêmios, nacionais e internacionais, como o ‘Biomimicry Institute’, em 2018, pela tecnologia para proteção de árvores em projetos de reflorestamento.
Bromélia inspirou os irmãos Rutman | Foto: Acervo/Nucleário
Além do reconhecimento do projeto, os dois receberam US$ 100 mil (cem mil dólares) do 'Ray of Hope Prize'.
O nucleário nascido em Lumiar, um lugar cercado por inúmeras espécies da Mata Atlântica, foi a primeira iniciativa brasileira a ganhar esse prêmio internacional.
O dispositivo criado por eles facilita o processo de pós-plantio de mudas e aumenta sua taxa de sobrevivência, controlando a liberação de água, reduzindo as tarefas manuais de manutenção.
Além disso, impede a aproximação das formigas cortadeiras, e controla o crescimento das gramíneas, como a braquiária e o capim-colonião, que podem sufocar e matar a muda.
A criação tem um design que propicia melhor visualização e monitoramento das mudas no campo.
Os irmãos Rutman também batizaram a empresa com o nome da primeira invenção deles. Agora, o Nucleário está desenvolvendo tecnologias para facilitar o plantio florestal e, principalmente, a manutenção pós-plantio, além de outra linha de produtos para jardinagem.
Eles foram premiados nos Estados Unidos, pelo ‘Biomimicry Institute’ | Foto: Acervo/Nucleário
Biomimética
A natureza como inspiração para a produção de novos inventos e o reconhecimento da sabedoria acumulada por bilhões de anos são pontos de partida da Biomimética.
Foi observando as qualidades da natureza que o velcro foi criado, a partir do funcionamento do carrapicho – uma semente com uns tipos de espinhos que agarram em roupas e pelagens.
Um determinado tipo de maiô para nadadores também foi desenvolvido após a observação da pele dos tubarões, com o objetivo de trazer menos atrito nos movimentos na água.
O exemplo do trem-bala japonês, da rede ferroviária de alta velocidade, a Shinkansen, está no filme: o modelo foi redesenhado assemelhando-se com uma cabeça do martim-pescador.
As corujas e os pinguins também inspiraram o engenheiro da companhia japonesa – tudo para aumentar o desempenho de um dos transportes mais velozes do mundo.
O engenheiro japonês e observador da natureza, Eiji Nakatsu, é um dos personagens das histórias narradas pela bióloga Janine Benyus.
Da Vinci foi um biocêntrico
Outro “inventor” famoso e que trabalhava com os princípios de Biomimética foi Leonardo da Vinci, que já produzia esboços de máquinas voadoras com base na observação da anatomia e do voo dos pássaros, há mais de cinco séculos.
Filme tem estreia nacional no dia 16 de março | Foto: Divulgação/Biocêntricos
Janine Benyus
A bióloga escreveu o livro ‘Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza’, lançado em 1997 nos Estados Unidos e, em 2003, no Brasil, e das nove histórias contadas por ela, cinco são de brasileiros.
São profissionais e empreendedores de várias áreas, e de diversos pontos do país, buscando inspiração na natureza para criar projetos, negócios e produtos inovadores.
A Biomimética ganha mais espaço com o filme ‘Biocêntricos’ e revela uma mudança de paradigmas, onde a natureza não é mais algo distante ou uma entidade a serviço da humanidade, e os biólogos expandem suas funções para criar produtos e soluções para determinados problemas.
Com essa nova mentalidade, no quadro mundial de escassez de recursos naturais, a sustentabilidade e tecnologia tem lugar de destaque para vencer desafios em diversos setores.
Como usar essa ciência
Pelo método desenvolvido por Janine Benyus, existem duas maneiras de criar, usando a Biomimética: a primeira é partir de um desafio ou necessidade real (como filtrar água, fixar objetos em uma superfície ou economizar energia) e investigar de quais estratégias a natureza dispõe para resolver a mesma tarefa.
A segunda é olhar para determinado fenômeno natural, forma ou função desempenhada por um organismo e pensar de que maneira ele pode ser útil e reproduzido em produtos ou soluções.
Medicina, arquitetura, agronomia, transportes e geração de energia são algumas das áreas que vêm desenvolvendo inovações com a bioinspiração.
O que vemos aqui representa menos de 1% das espécies que já passaram pelo planeta. O que sobreviveu foi altamente aperfeiçoado durante 3,8 bilhões de anos de seleção natural.
Natureza é vista como mestra, e biólogos são os novos inventores | Foto: Acervo/Nucleário
Para o futuro
Em 2014, essa metodologia já era apontada pela revista Forbes como uma das cinco principais tendências que vão orientar os negócios do futuro.
Um estudo de uma universidade americana estima que a Biomimética deve movimentar 300 bilhões de dólares no PIB dos Estados Unidos e gerar 1,6 milhão de empregos no país até 2025.
Como explica a diretora, Fernanda Heinz, 'Biocêntricos' busca tanto provocar quanto proporcionar ao público rotas de esperança, por ampliar a visão sobre esses conhecimentos profundos e fascinantes do mundo natural.
Ao se considerar sustentabilidade, economia circular, colaboração, ecologia e saúde como princípios de reconexão individual e coletiva, com a natureza elementar que nos habita, é possível visualizar um futuro bem diferente das perspectivas distópicas que estamos nos acostumando a consumir.
Mas o filme vai além da reflexão filosófica e conceitual, ao mostrar soluções acessíveis, em muitos exemplos já materializados através da Biomimética.
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