‘Taxa do príncipe’? Saiba a origem e o destino do foro e do laudêmio em Nova Friburgo
Muitos imóveis no município são foreiros, levando moradores a acreditar que os valores pagos vão para os herdeiros da família Imperial, como em Petrópolis
Alvo de polêmica nos últimos dias, após a tragédia das chuvas em Petrópolis, Região Serrana do Rio, o laudêmio também é pago em outras cidades, como Nova Friburgo. O mesmo ocorre com mais uma taxa, cuja cobrança é ainda mais frequente, o foro.
Mas se as pessoas já pagam IPTU, por exemplo, por que o foro e o laudêmio são cobrados? E qual é o destino dos recursos arrecadados?
“Absolutamente sem ideia para onde o dinheiro vai, e nem como pesquisar. Pelo que sei, esse imposto é cobrado há bastante tempo”, relata o empresário Fabio Heiderich, proprietário de um apartamento no bairro Cônego.
O imóvel dele está sujeito à cobrança anual do foro no valor de R$ 198,60. No caso de venda, o comprador do apartamento também deve pagar o laudêmio.
Na região central de Nova Friburgo a história é a mesma, como conta a aposentada Carlota Werneck Pimentel, dona de uma casa no Centro e de um terreno no bairro Braunes: “pagamos o foro desde o momento que temos as escrituras dos imóveis”.
Cobrança de foro da casa da aposentada Carlota, no Centro, no valor de R$ 126,21 | Foto: Carlota Werneck Pimentel
“Pelo que li, são terras de propriedade da família Real brasileira. Agora, se são realmente transferidos esses valores (a eles) não tenho a mínima ideia”, questiona Carlota.
Nada de 'Taxa do príncipe'
Mas, ao contrário de Petrópolis, não há nada de monarquia nessa história, como explica o advogado tributarista Andrei Fernandes.
“Essa receita é destinada ao cofre municipal, integrando o orçamento público, ao lado das demais receitas arrecadadas pela administração pública.”
Em 2021, segundo consta no Portal da Transparência, o município arrecadou R$ 12.362.360,13 com a cobrança de foros, laudêmios e eventuais outras taxas de ocupação, que do ponto de vista legal não são considerados como impostos, mas como receitas patrimoniais.
Em Petrópolis, foro e laudêmio são destinados aos herdeiros da família Imperial, fundadores da cidade | Foto: Reprodução/Museu Imperial
No caso de Nova Friburgo, o foro é pago anualmente aplicando-se o percentual de 0,5% sobre o valor venal do terreno. Já o laudêmio, que incide sobre esses imóveis foreiros, corresponde à aplicação do percentual fixo de 3% sobre o valor do terreno.
Em ambos os casos, não são levados em consideração os valores de construções ou plantações, alerta o advogado.
Ainda segundo Andrei Fernandes, as duas taxas são como um aluguel eterno por uma determinada propriedade, que pode ser do governo federal, da Igreja Católica, dos herdeiros da família Imperial ou do próprio município, como é o caso das cobranças feitas em Nova Friburgo.
“O foro é uma contraprestação anual devida pela enfiteuse, que é um instituto do direito civil (como aluguel e arrendamento, por exemplo), de caráter perpétuo, que basicamente se refere à permissão de domínio útil dada pelo proprietário do imóvel a um terceiro”, explica.
Origem das taxas em Nova Friburgo
Para entender melhor a origem desse monte de taxa, é preciso voltar ao século 19, época da criação do município por decreto do rei Dom João VI.
De acordo a historiadora Janaína Botelho, o foro e o laudêmio em Nova Friburgo tiveram origem com o loteamento das terras pertencentes à Câmara Municipal, que também cumpria a função de Executivo antes da criação da figura do prefeito, em 1916.
“A Câmara recebia um patrimônio, chamado de próprios nacionais, que poderia ser usado para a criação de praças, logradouros públicos ou então dividido em lotes a serem licitados”, explica.
No passado, terras que pertenciam à Câmara Municipal foram leiloadas e compradores ficaram eternamente comprometidos com o pagamento do foro e do laudêmio | Foto: Reprodução/Acervo Fundação Dom João VI
As terras loteadas eram vendidas a preços simbólicos, já que o principal objetivo da Câmara era garantir uma receita líquida e certa, anualmente: o foro e o laudêmio.
“Quem desse o maior lance, ficava com o terreno e era obrigado a construir. A partir da construção, estava comprometido a pagar por toda a vida, numa espécie de arrendamento eterno”, contextualiza.
Mas nem todos os terrenos da cidade foram alvo da chamada enfiteuse. “Eu, por exemplo, moro no Centro e pago foro. A minha mãe, que mora próximo ao Corpo de Bombeiros, não paga”, revela Janaína.
Cobrança do foro é alvo de questionamentos judiciais
Já o advogado Andrei Fernandes explica que há pelo menos duas resoluções e uma deliberação, todas datadas da década de 1960, que delimitam as áreas dos imóveis foreiros de Nova Friburgo.
Primeira página de uma das resoluções que regulamenta a cobrança do foro e do laudêmio em Nova Friburgo | Foto: Reprodução
Mas essa definição é alvo frequente de discussões judiciais, diante da dificuldade de identificação dos antigos títulos de aforamento, que caracterizam a constituição da enfiteuse.
“O proprietário deve observar se as cobranças estão de acordo com a legislação municipal, se o imóvel realmente está localizado na área demarcada para os terrenos foreiros, se consta a averbação da enfiteuse na matrícula do imóvel, bem como aferir a metodologia do cálculo. Eventuais irregularidades podem ser questionadas administrativa e judicialmente”, finaliza.
A reportagem questionou a prefeitura sobre quantos imóveis pagam a taxa atualmente na cidade e como esse dinheiro é usado, mas não houve resposta.
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