Teje preso!
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"A imaginação é mais importante que o conhecimento." (Albert Einstein)
— Teje preso! – ordenou o policial, por trás do óculos escuros, erguendo o distintivo ao se aproximar da bancada na calçada, repleta de ovos de chocolate. Vestia calça jeans e uma camisa social com botões abertos, da gola até o peito, ostentando um reluzente cordão dourado.
— Olha, sinhô, seu polícia… posso saber por causa de quê estou sendo preso? – indagou o rapaz, erguendo os braços em sinal de rendição. Usava bermudas, sandálias de dedo, e uma camisa de super-herói.
— Ora, e eu preciso desenhar? Por causa disso aqui.–explicou o policial, aos berros, gesticulando na direção dos produtos. – O que é esse montão de ovos de chocolate? E por menos de cinquenta reais? Ou são contrabandeados ou falsificados. Cadê a nota fiscal? E o alvará da prefeitura? – perguntou ele, retirando em seguida o palito de dentes do canto da boca.
— Sinhô seu polícia, mas isso aqui não é meu, não. – explicou o suposto camelô, baixando os braços lentamente. Nesse instante, um pequeno grupo de curiosos começava a se aglomerar para presenciar o tumulto.
— Como não é seu? Recebemos denúncias de comerciantes legais e flagrei você justamente atrás dessa mesa. Agora tem a cara de pau de dizer que não é seu? – esbravejou o policial, balançando o dedo em direção ao homem.
— Não é meu, não, sinhô. Tô aqui só esperando o Theodoro passar.
— Se não é seu, então, de quem é, rapaz? – replicou o policial, colocando novamente o palito na boca e cruzando os braços.
— Do Coelhinho da Páscoa. – respondeu ele, com naturalidade.
— Tá me tirando, é?
— Não, sinhô, seu polícia.
— E que história é essa de Coelhinho da Páscoa? – perguntou o policial, franzindo o cenho, claramente intrigado.
— Ué, se são ovos de chocolate, só podem ser do Coelhinho da Páscoa, não é?
— E você acha que eu vou acreditar nisso?
— A gente acredita em coisas bem piores, sinhô. Como na queda do preço da carne, do café, da gasolina, nos juros do empréstimo... Tem gente que acredita que o homem foi à Lua, veja só. Tem quem acredite no aquecimento global, na paz mundial, em fantasmas, na loteria, e até em promessas de políticos. O Coelhinho da Páscoa é o mais inocente de todos. – explicou ele, enquanto a multidão se aproximava cada vez mais.
— Inocente é o cacete, isso aqui ou é contrabando ou é falsificado, pode ter certeza. – garantiu o policial, mexendo na mesa e inspecionando os itens.
— Aí já não sei, sinhô, seu polícia. – comentou o jovem, ao que o policial desviou o olhar dos ovos de chocolate para as mãos do rapaz.
— Não sabe, é? E esse dinheiro aí na sua mão?
— Lá ele! Não é meu, não, sinhô!
— Deixa eu adivinhar: é do Coelhinho da Páscoa? – indagou o policial, cruzando os braços.
— O sinhô aprende rápido! – respondeu o jovem, sorrindo de forma maliciosa.
— Olha, é melhor você vazar, senão eu...
— Ih, olha o meu ônibus aí... – exclamou o jovem, correndo em direção à porta do coletivo aberta.
— Mas esse aí vai para Olaria. Você não disse que estava esperando o Theodoro passar? – questionou o policial, seguindo-o apressadamente.
— Eu disse que estava esperando ele passar, não que eu ia embarcar nele! Pega a visão!– respondeu ele, ao entrar no coletivo, pouco antes do motorista arrancar; fez uma continência debochada por trás da janela e sumiu Alberto Braune afora.
— Mas será que realmente vai abaixar? – perguntou uma velhinha ao policial, no momento em que a multidão se dispersava.
— Abaixar o quê, minha senhora? – retrucou ele, suspirando irritado.
— A carne, o café, os ovos, o arroz, o azeite...
— Ah, vai sim. Claro que vai. A senhora acredita no Coelhinho da Páscoa?
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