Faça chuva ou faça sol
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"Há homens que se agarram a sua opinião, não por ser verdadeira, mas simplesmente por ser sua." (Santo Agostinho)
Eis que o sol ressurgiu em toda sua plenitude, glória e esplendor nas brenhas do Morro Queimado. Salve, salve! Até meados de janeiro, choveu tanto por essas paragens que comecei a imaginar que o astro-rei estava desfrutando férias no Ceará, saboreando água de coco em alguma praia paradisíaca. Pois, se estava, retornou de mala e cuia. Graças a Deus!
Acontece, entretanto, que o ser humano nunca se encontra plenamente satisfeito, veja: o que para alguns pode ser motivo de celebração, alegria e júbilo, para outros, curiosamente, é alvo de murmúrios e pragas, um pretexto vil para chutar pedrinhas por aí. E a culpa não é do sol ou de qualquer outra estrela, alinhamento de planetas, não, nada disso. Entenda bem. Esses dias, este cronista estava no trânsito com a família e ingressou na ponte das flores no bairro Ypu. Como a mão direita estava lotada, já na altura do cruzamento, minha alternativa era utilizar a mão esquerda, sinalizar com a seta para o sentido oposto e seguir viagem, feliz e sorridente. O que me impediria disso? O Código Brasileiro de Trânsito não possui nenhum artigo dedicado à conduta de conversões em pontes, tampouco a Secretaria de Mobilidade Urbana sinalizou o trecho como faixa exclusiva para retorno ao centro da cidade. Além disso, a Carta Magna prevê que tudo o que não for expressamente proibido pela lei é lícito. Entonces, se realizei o movimento sinalizando adequadamente, estou mais do que certo. Concorda ou desconcorda?
Um motociclista desconcordou. Ele vinha pelo corredor de carros e, quando o sinal abriu, emparelhou sua moto e discutiu, acusando-me aos atropelos que eu estava errado, era um absurdo, quase me multa ali mesmo. O que o dito cujo fez foi uma interpretação subjetiva da situação, baseada nos usos e costumes e também em suas experiências pessoais. Ora, e eu ali, com cara de panaca, junto com a família, tentando me justificar para alguém que nunca vi na vida e que, provavelmente, jamais voltaria a encontrar.
A questão, bastante séria e pertinente, é que temos avaliado muitas coisas, nesses últimos tempos, de maneira pessoal. Muito pessoal. Vá lá, se o sujeito acha que o sol está muito quente e desagradável, que o céu nublado é melhor, que uma chuvinha não faz mal a ninguém, que poderia até nevar, isso é lá problema dele, não está afetando ninguém ao seu redor. Entretanto, temos feito uso dessa nossa "visão particular do mundo" com o clima, com a política, a religião, o futebol, a economia e até com o trânsito, sem qualquer respaldo em regras preestabelecidas ou focado no interesse da coletividade. "Ah, por que é assim?", ou "por que é certo?", ou "por que é errado?". "É assim ou assado, certo ou errado, porque eu acho." E convenhamos, raciocinar dessa maneira é algo muito perigoso.
O pensamento subjetivo na sociedade, em verdade, é um subproduto do individualismo, da superficialidade e da indiferença e, sinceramente, se nos aventurarmos por essa seara, não sei onde vamos parar. Reste claro, ninguém está proibido de ter sua opinião, nem de pensar por si mesmo; aliás, devemos sim, ser críticos e reflexivos. Contudo, nosso limite é o interesse público e o bem comum, faça chuva ou faça sol. Aliás, tornou a chover – e muito. Tristeza de uns e alegria de outros. Vai entender.
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