Rio de Janeiro é o quarto estado mais violento para pessoas trans no Brasil; maioria das vítimas são mulheres, negras e jovens
Comunidade trans luta por representatividade política e acesso à educação para mudar estatísticas
As mulheres trans, negras e jovens são as principais vítimas fatais da transfobia no Brasil. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) alertam que, somente em 2024, 122 pessoas trans e travestis foram assassinadas no país.
O estado do Rio de Janeiro ocupa a quarta posição no ranking de violência contra esse grupo, com dez registros de mortes no ano passado. Em primeiro lugar está São Paulo, com 16 casos; seguido por Minas Gerais (12); e Ceará (11).
A 8ª edição do Dossiê: Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras foi lançada na última segunda-feira, 27, em conscientização ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado em 29 de janeiro.
Apesar da queda de 16%, em comparação com 2023, o índice mantém o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo, pelo 16º ano consecutivo.
No mapa da violência, a Antra destaca que "pelo menos 68% (83 casos) aconteceram fora das capitais dos estados, em cidades do interior".
O perfil das vítimas é predominantemente jovem, entre 15 e 29 anos, de baixa renda e em situação de "alta vulnerabilidade social", que recorrem à prostituição como fonte de renda.
A pesquisa também ressalta que, entre 2017 e 2024, a média de pessoas trans negras assassinadas chegou a 78%.
Em artigo publicado no dossiê, a presidente da Antra, Bruna Benevides, destaca que, apesar do cenário hostil à comunidade, "a erradicação da população trans no Brasil tem falhado".
Mesmo diante de um cenário marcado por ataques e retrocessos, a comunidade trans está organizada, consciente e fortalecida em mais de 30 anos de luta (...) Ao ocupar espaços de decisão e poder, ao fazer ecoar suas vozes nas arenas políticas e jurídicas e ao conquistar direitos, pessoas trans demonstram que sua existência é inegociável
, enfatiza.
Nas eleições municipais de 2024, a comunidade ampliou sua representatividade no Legislativo. Em todo o Brasil, 27 pessoas trans foram eleitas. Duas delas no estado do Rio: Kará Marcia (PDT), em Natividade; e Benny Brioli (Psol), em Niterói.
Segundo Bruna, essas conquistas "são as maiores respostas frente à transfobia e se consolidam cada vez mais como provas de que, por mais forte que seja a tentativa de apagamento, a resistência é ainda mais vigorosa"
Outra frente de luta por representatividade diz respeito ao acesso à educação e ao mercado de trabalho. Segundo estimativas da Antra, até 2024, a população trans e travesti no ensino superior era de 0,3%.
Além disso, mais de 70% desse grupo é levado a abandonar a escola no ensino médio. Entre os motivos, estão: preconceito familiar, violência no ambiente de ensino e falta de apoio e redes de cuidado.
Para reverter essa realidade de exclusão no mercado de trabalho, lideranças trans têm lutado pela ampliação do sistema de cotas para esse grupo.
Atualmente no Brasil, cerca de dez instituições públicas adotaram cotas para pessoas trans e travestis. No Rio de Janeiro, a Universidade Federal Fluminense (UFF) se tornou a primeira do estado a implementar a política e, a partir de 2025, 2% das vagas dos cursos de graduação são destinadas a esse grupo.
A resistência trans é uma força que se ergueu através dos tempos, enfrentando séculos de perseguição e violência. Embora isso não seja novidade para quem conhece a história da luta trans, é evidente que, nos dias atuais, as pessoas trans foram convertidas no alvo prioritário de um projeto político desenhado para atacar as democracias e minar direitos de grupos historicamente marginalizados
, afirma.
Nesse contexto, Bruna enfatiza que "cada conquista é um passo rumo a um futuro onde viver com dignidade não seja um privilégio, mas um direito de todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero".
Apesar do principal alvo ser mulheres trans no Brasil, a violência também é vivenciada por outros perfis. O servidor público Ian Freiman, de 29 anos, ressalta que "por ser um homem trans, além do preconceito, ainda tem a questão do machismo":
Já sofri transfobia na escola. As pessoas olhavam torto, julgavam... Foi nessa época que eu comecei o acompanhamento com psicólogo e também os remédios para ansiedade e depressão. Além de passar por uma luta interna, ainda tinha a luta externa, a luta da resistência. E é muito difícil, na adolescência, sofrer por apenas tentar viver sendo você mesmo. São muitas cobranças ao mesmo tempo: da família, da vida escolar e questões pessoais. Por isso muitas pessoas trans saem da escola. Não aguentam a pressão. E realmente, é muito difícil.
Durante esse período, Ian destaca que uma palestra realizada na escola pela equipe do Centro de Cidadania LGBTI Serrana I Hanna Suzart, em Nova Friburgo, na Serra Fluminense, foi fundamental para seu processo de aceitação.
Foi no Hanna Suzart que Ian também conseguiu apoio psicológico e jurídico, além de auxílio na retificação dos documentos.
Ele participou de uma das primeiras edições do Mutirão de Requalificação Civil para Pessoas Trans, promovido pela equipe do centro, para ajudar pessoas transgênero a atualizar documentos oficiais, como identidade e CPF, com o nome e o gênero com os quais se identificam.
A última edição ocorreu em outubro do ano passado, através do Projeto Transcenda, com apoio da Prefeitura Municipal de Nova Friburgo, do 7° Núcleo Regional de Tutela Coletiva/Defensoria Pública e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
Já na busca por um emprego, a percepção de Ian é de que "o mercado de trabalho ainda não está preparado para receber pessoas trans".
Já fiz várias entrevistas que eu tinha tudo o que era preciso para estar no cargo e não passei e tenho total certeza que foi pelo fato de ser um homem trans. Existe muita dificuldade de conseguir um emprego bom e estável. Na maioria das vezes acabamos por ficar com subempregos. Eu mesmo trabalhei anos sem carteira assinada fazendo extras de garçom, auxiliar de cozinha, copeiro… Hoje em dia eu sou servidor público, depois de muita luta e muito estudo.
Janeiro Lilás
Evento contou com orientação jurídica, oportunidades de emprego e cuidados com a saúde para a população trans | Foto: Reprodução/Prefeitura de Nova Friburgo
Em comemoração à data, Nova Friburgo promoveu nesta quarta-feira, 29, a ação TransCidadania 2025, com o tema "Mercado de Trabalho – Direitos – Empreendedorismo – Saúde e Prevenção".
Durante o evento, o Centro de Cidadania LGBTI Serrana I ofereceu oportunidades de emprego e renda para a comunidade trans, além de fornecer informações sobre direitos, cidadania e cuidados com a saúde.
O público também pôde conferir banners e mesas informativas com distribuição de materiais impressos, além de assistir à apresentação do Galaxy Mini Ball.
A ação foi realizada com o apoio da Superintendência de Políticas Públicas LGBTI da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos; a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos; a Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Econômico; 7° Núcleo de Tutela Coletiva da Defensoria Publica/RJ; Sebrae e CIEE.
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