Ah, Pocahontas!
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"Ontem à noite eu conheci uma guria que eu já conhecia de outros carnavais, com outras fantasias" (Humberto Gessinger)
Inspirou profundamente o ar pelas narinas. A luminosidade que invadia a sala através da janela entreaberta atingia diretamente seus olhos, despertando-o de um sono breve, porém pesado. Não sabia exatamente em que instante adormecera; para ser sincero, não tinha clareza sobre quase nada.
Percebeu-se completamente nu sobre o tapete da sala e respirou novamente, como se isso confirmasse que estava, de fato, vivo. Esticou-se ao máximo que pôde; a cabeça doía como nunca antes, afinal, bebera muito além da conta. A sala estava uma verdadeira bagunça, com roupas espalhadas por todos os lados, fantasias, garrafas de bebida parcialmente cheias e vazias, confetes, serpentinas e até um cachorro que dormia sobre o sofá, o qual jamais tinha visto antes. Deus do Céu, de onde veio aquele cachorro?
Levantou-se com dificuldade; os ossos e músculos do quadril incomodavam e demoraram a relaxar para que pudesse caminhar de maneira razoável. Ah sim, lembrava-se de algo. Saíra naquele último dia de Carnaval com os amigos, decidido a aproveitar ao máximo! Pularam, dançaram, beberam e se divertiram. Recordava-se agora das mulheres; ele fora o último a encontrar seu par para a noite: era uma bela morena fantasiada de índia. Como foi mesmo que se apresentou? Potira? Não, não. Pocahontas, foi isso que ela mencionou com o charme de sua voz rouca e levemente anasalada.
"Ah, Pocahontas!", pensou com um sorriso, após beber um copo de água gelada. Seguiu lentamente para o banheiro, observando o cenário na sala e tentando recordar os detalhes daquela noite magnífica, mas a memória estava comprometida com imagens fragmentadas e extremamente confusas.
Ao passar novamente pela sala, fez uma varredura pelo ambiente, buscando algum detalhe que pudesse evocar a imagem da índia em sua mente. Tentava preencher as lacunas de sua memória com a fantasia, mas isso pouco adiantava.
Encontrou um sutiã preto no braço do sofá, pegou-o e levou ao rosto com ambas as mãos, absorvendo o perfume almiscarado impregnado no tecido. Ah! Conseguia visualizar a morena caminhando descalça, com um penacho na cabeça e a saia curtíssima, as coxas grossas e torneadas. Era baixa? Não, não; lembrava que ela era mais alta que ele. Suas mãos eram delicadas... não, também não. Sua pele era fina, mas as mãos eram grandes e firmes. Ah, os amores de Carnaval!
Deixou o sutiã novamente sobre o sofá, como se fosse um espólio de guerra, e continuou seu caminho em direção ao banheiro. Empurrou a tampa da privada com o pé, apoiou a perna esquerda na parede e aliviou a urina, fazendo o espelho d'água do vaso sanitário borbulhar.
Enquanto se aliviava, pensava em como seria bom vê-la novamente; se não estivesse tão bêbado, teria pedido seu número, e poderiam se encontrar sem essas máscaras e alegorias, sendo como realmente eram.
Concluiu a micção e virou-se para a pia. Ao olhar para o espelho, inspirou profundamente o ar pelas narinas e sentiu um nó na garganta, tensionando todos os músculos, conhecidos e desconhecidos. O coração quase explodiu dentro de seu peito e imediatamente se arrependeu do recente desejo, recuando até tocar a superfície fria dos azulejos brancos na parede. No espelho, um recado escrito com batom vermelho, adornado com coraçõezinhos sobre todos os "i", era espantoso, e ele simplesmente não conseguia acreditar. Não queria acreditar!
"Adorei te conhecer! Me liga! 9xxxx-xxxx. João".
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