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Sem despedidas

Por George dos Santos Pacheco
11/09/24 - 10:30

“Se voltar não faça espanto, cuide apenas de você. Dê um jeito nessa casa, ela é nada sem você. Regue as plantas na varanda, elas devem lhe dizer que eu morri todos os anos, quando esperei você.” (Roberto Carlos)

Estava decidido: ia abandonar a mulher. Havia conhecido outra, há cerca de três meses. Era mais jovem, bonita e agradável. Esta não lhe incomodava com seus problemas, com as contas, não lhe cobrava atenção, não o criticava... Sempre muito bem maquiada, unhas feitas e bem disposta, era o carinho em pessoa. Ela entendia todas as suas inquietações e antes mesmo que ele pudesse abrir a boca, ela tinha a palavra certa, o melhor conselho. Sim, não havia mais volta. Deixaria a mulher.

Refletiu sobre isso durante a noite inteira. Observava, agora, pela janela do ônibus, as pessoas zanzando pela calçada, o olhar se perdia – via, mas não enxergava. Absorto em suas conjecturas, questionava-se sobre a melhor forma de comunicar o fato à mulher. Comunicar, isso mesmo. Não pretendia debater, sugerir ou pedir. Ia comunicar-lhe e pronto. Simples assim.

Diria estar apaixonado? Não. Parecer-lhe-ia uma frivolidade, confissão de inferioridade, refém de um sentimento pueril, como se ele mesmo não estivesse certo do que estava fazendo, sob efeito de uma droga qualquer. Além do mais, também havia dito estar apaixonado por ela quando se conheceram. Isso não lhe remeteria a esses tempos e lhe causaria maior sofrimento?

Não, não era isso o que desejava. Queria apenas deixá-la e começar uma vida nova, ao lado da outra. Saltou do ônibus e pôs-se a caminho. “Quando foi que se desapaixonou?”, perguntava-se. É o tipo de coisa que acontece sem que se perceba? Como quando de repente aquela calça não lhe serve mais e você nem havia reparado?

Diria que o problema não era ela, mas ele? Seria mais fácil assim: inibiria qualquer cobrança, sentir-se-ia constrangida a fazer questionamentos. Era o caso talvez de nem fazer menção sobre a outra mulher. Pouparia ela dessa dor. Afinal, ela merecia ao menos isso. Tiveram bons momentos juntos, isso não poderia negar. As noites frias de inverno, os dias quentes de verão. O carinho, o bom humor. A palavra certa na hora certa. Aquele sorriso... ah, aquele sorriso era seu fraco. Que saudade! Quando foi que o encanto se perdeu? Como não viu isso acontecer? Talvez tenha visto, mas não quis enxergar. Simples assim.

Alcançou o portão da casa e seguiu entre canteiros de flores que plantaram juntos. Já não estava tão certo do que faria. Resolveria quando a encarasse, quando seus olhos se encontrassem. Melhor seria não perder tanta história um rabo de saia. Na verdade, talvez ele quisesse sim uma vida nova, mas ao lado da mesma mulher. Além do mais, tudo era lindo agora: a outra queria conquistá-lo, e evidentemente, procuraria ser-lhe sempre agradável, o inverso da concorrente, seu nêmesis. Dessa maneira, garantiria sua promoção a esposa. Ele sabia.

O homem aproximou-se da porta e suspirou. Notou, estupefato, que a folha de madeira já não possuía maçaneta e temeu pela segurança da mulher. Seu coração bateu mais forte e, tocando com a polpa dos dedos, fê-la ranger, lentamente, sobre os gonzos. Chamou por seu nome e foi respondido pelo vazio, um eco sombrio e lúgubre. Não havia sinal algum da mulher, de sofá, TV, cortinas, tapeçarias e lâmpadas. Nem mesmo dos interruptores. Nada. Apenas o terrível e inexpugnável silêncio.

Mais tarde, consultando os vizinhos, descobriu com os olhos úmidos que, logo cedo, a mulher saíra de casa junto a um homem jovem, bonito e agradável, alguém que talvez não lhe incomodasse com seus problemas, com as contas, não lhe cobrasse atenção, nem a criticasse... Puseram tudo dentro de um caminhão e partiram, sem despedidas ou dar maiores explicações. Simples assim.

Ele sabia, não havia mais volta. Ah, que saudade.


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