Dívidas, depressão e problemas familiares: especialistas alertam para danos do vício em apostas e cassinos online

Quase 2 milhões de brasileiros ficaram endividados por causa das bets no último ano. As famílias com menor renda foram as mais afetadas nesse cenário: cerca de 29% deixaram as contas atrasadas para realizar apostas, segundo dados e análise do Panorama das Bets, lançado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

No Brasil, segundo o documento desenvolvido pela CNC, esses jogos consomem uma fatia maior da renda dos mais pobres, sendo quatro vezes maior do que a dos ricos:

Isso indica que as apostas têm um impacto desproporcional nas populações mais vulneráveis, exacerbando as desigualdades econômicas. Jovens estudantes também são suscetíveis ao problema: estima-se que mais de 70% dos universitários com idade média de 21 anos apostem regularmente no país.

Mais dívidas e menos consumo

Outro ponto destacado pela CNC é que, com a popularização das bets, recursos que poderiam ser gastos em setores produtivos estão sendo desviados para essa finalidade.

A pesquisa aponta que, devido ao crescimento das apostas esportivas e dos cassinos online, o varejo deixou de faturar R$ 103 bilhões em 2024.

Para a CNC, um dos fatores que impulsionaram o endividamento foi a falta de regulamentação.

As regras para as apostas esportivas de quota fixa e a concessão de outorgas para essa modalidade lotérica só passaram a valer em 1º de janeiro de 2025. Já os caça-níqueis virtuais, como o "Jogo do Tigrinho", seguem proibidos no país, de acordo com a Lei de Contravenções Penais.

O vácuo regulatório gerou um cenário que permitiu que plataformas de jogos de azar se proliferassem sem controle adequado, aumentando os riscos de dependência e inadimplência entre os jogadores. Além disso, a ausência de regulamentação facilitou a lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas, prejudicando a economia formal, enfatiza o relatório da CNC.

Para além da economia

Os danos, no entanto, não se restringem ao setor econômico. Pesquisadores alertam que o vício em apostas pode trazer uma série de prejuízos psicológicos, sociais e familiares.

O especialista do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ), Marcelo Santos Cruz, explica que uma característica preocupante desses jogos é o imediatismo.

Diferente de uma aposta na Mega-Sena, por exemplo, onde o jogador tem o tempo de esperar o resultado e refletir sobre as ações, o psiquiatra ressalta que os cassinos online e apostas esportivas estimulam o vício.

Tudo acontece em segundos: joga, perde, joga de novo, perde de novo, e isso reforça a compulsão. São jogos que podem ser acessados a qualquer momento e isso estimula o comportamento patológico e certamente está associado ao crescimento desse problema.

A falta de controle diante dos problemas é o principal alerta. Segundo Marcelo, quando a pessoa não consegue parar de apostar, mesmo sofrendo impactos negativos em seu relacionamento, trabalho e outros âmbitos da vida, já é um sinal vermelho.

São pessoas que começam a jogar recreativamente e, por exemplo, acontecem de ganhar e ficam tentando repetir o prazer que dá nas primeiras vitórias. Depois passam a jogar para cobrir as perdas e passam muito tempo jogando, pensando no jogo ou se envolvendo em problemas para conseguir dinheiro.

A advogada e diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Patrícia Gorisch, explica que, quando o apostador desenvolve um comportamento compulsivo ou patológico, o bem-estar familiar fica ameaçado.

Segundo a especialista, o vício gera conflitos e tensões entre os membros da família, muitas vezes alimentados por mentiras e ocultação de dívidas, o que prejudica a comunicação e a confiança.

Familiares do apostador podem experimentar estresse, ansiedade e depressão, enquanto crianças podem sentir-se desprotegidas e expostas a comportamentos disfuncionais. Também há riscos legais e sociais, como envolvimento em fraudes ou crimes para sustentar o vício, que podem agravar a desintegração familiar.

Além disso, a desestruturação econômica provocada pela compulsão pode afetar necessidades básicas da família, como alimentação, moradia e educação.

Para Patrícia, esse hábito "também pode desencadear comportamentos abusivos ou negligentes e corroer valores familiares, ao subordinar responsabilidades domésticas às atividades de jogo".

Da perspectiva do direito familiar, a advogada acrescenta que a regulamentação das apostas, com regras claras e ambientes monitorados, permite maior controle sobre as práticas abusivas, e inibe a expansão de jogos ilegais, frequentemente associados a crimes organizados.

Além disso, ela explica que a arrecadação de impostos sobre as apostas pode ser destinada a programas de reabilitação, saúde mental e campanhas educativas.

Porém, para proteger as famílias, a especialista pontua que ainda são necessárias políticas públicas de educação e prevenção; implementação de limites obrigatórios de gastos em plataformas regulamentadas; e ferramentas que permitam às famílias intervir em situações de risco.

No entanto, para proteger as famílias, ainda são necessárias políticas públicas de educação e prevenção, implementação de limites obrigatórios de gastos em plataformas regulamentadas e ferramentas que permitam às famílias intervir em situações de risco.

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